Visagem - Cabruêra

Relançamento em vinil celebra 15 anos de um disco que transformou a música nordestina em resistência universal

RESENHA

Por Zé do Caos

9/12/2025

O Nordeste tem dessas: quando o povo cria, não é só música, é feitiço. Em 2010, a Cabruêra lançou Visagem e mostrou que era possível fundir o barro da tradição com os cabos elétricos do mundo moderno. Era um álbum que não se encaixava em caixinhas fáceis: tinha maracatu, repente, embolada, mas também tinha psicodelia, grooves urbanos e riffs que poderiam soar em qualquer palco do planeta. Agora, 15 anos depois, esse trabalho ganha uma reedição especial em vinil, em tiragem limitada, transformando-se em objeto de culto e reafirmando sua importância.
E eu, Zé do Caos, digo logo: não é só um relançamento, é um lembrete de que a música não morre quando nasce verdadeira.

A Força Original de Visagem

Quando apareceu em 2010, Visagem já soava como um rito de passagem. O disco não se contentava em ser mais um trabalho da cena alternativa nordestina; ele queria revirar o chão e mostrar o subterrâneo. Faixas como “Doce de Coco” e “Pisa Morena” traziam a cadência do coco e do baião, mas embaladas por guitarras com tempero rock e arranjos cheios de inventividade. Já em “Aruanda”, a ancestralidade ganha forma de mantra, uma viagem espiritual que poderia estar tanto numa roda de terreiro quanto num festival de world music na Europa.

O álbum provava que a Cabruêra não estava interessada em seguir tendências, mas sim em criar um território sonoro próprio. Essa mistura de tradição e modernidade fazia de Visagem um trabalho à frente de seu tempo. E isso explica por que, mesmo passados 15 anos, ele ainda soa atual. Escutar hoje é perceber que o grupo já anunciava a estética de resistência cultural que tantos artistas buscam agora.

O Relançamento em Vinil: Memória, Objeto e Ritual

O relançamento de Visagem em vinil chega como parte da celebração de seus 15 anos. Mas não é apenas um capricho nostálgico. A edição foi pensada como uma obra de arte em si: vinil cinza esfumaçado, 180 gramas, tiragem limitada de 300 cópias. Para quem coleciona, é um objeto de desejo; para quem venera o som da Cabruêra, é quase um talismã.

A remasterização de João Lima garante que os detalhes de cada instrumento apareçam com nitidez, mas sem perder a crueza orgânica que é marca registrada da banda. A arte gráfica original, criada a partir da fotografia de Augusto Pessoa e design de Roberto Matos, foi restaurada com cuidado, trazendo de volta o peso visual que dialoga com a aura mística do álbum.

O vinil não é só suporte físico: é também um ritual. É colocar o disco na vitrola e deixar a agulha desenterrar memórias e afetos. É, como diria um cabra velho da feira, “sentir o cheiro da música”. A Cabruêra sabe disso e entrega ao público algo além de um simples relançamento: um convite a escutar com o corpo inteiro.

Conclusão

Agora é o momento do carimbo. Visagem não é só mais um disco relançado — é um manifesto. A Cabruêra, com sua mistura de rabeca, percussão tribal, guitarras elétricas e poesia de beira de estrada, nos lembra que a cultura nordestina não precisa pedir licença para ocupar espaço. Ela já está na sala, de pés na mesa, contando histórias que arrepiam.

Ouvir Visagem em 2025 é constatar que o Brasil ainda deve muito ao seu próprio povo. Enquanto o mercado insiste em fórmulas plastificadas, discos como esse continuam pulsando como veias abertas. É música que não pede passagem — ela invade, porque nasceu para isso.

E se me pedirem nota, dou um 9,5 redondo. Não é um 10 porque sou cabra exigente, mas confesso: tem horas que a vontade é de entregar logo a coroa. Poucos discos resistem ao tempo com tanta dignidade, e menos ainda retornam com força renovada. Visagem é um desses raros casos.

O relançamento de Visagem mostra que a Cabruêra não fez um álbum qualquer: fez um clássico. É a prova de que quando a música nasce do chão, ela não envelhece. Pelo contrário, ganha novos significados. O vinil cinza esfumaçado é só a moldura; a obra é o som que ainda ressoa como grito de liberdade. E no fim, como diria o Zé do Caos: se você ainda não ouviu, vá logo atrás. Se já ouviu, escute de novo, porque alguns feitiços precisam ser renovados de tempos em tempos.

Nota: 9/10

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