Sidereal Fragments - CyberCan

Lançado nas primeiras semanas de janeiro deste ano, o novo EP do CyberCan nos entrega uma viagem densa e fragmentada pelos recantos mais obscuros do synthwave, entre ecos do espaço sideral e feridas emocionais que só um viajante do tempo poderia carregar.

RESENHA

Por Zé do Caos

7/29/2025

Quando CyberCan decidiu se lançar no abismo do Bandcamp e do YouTube com Sidereal Fragments, não estava buscando aplausos fáceis nem playlists algorítmicas. O que temos aqui é um manifesto. Um registro cru e melancólico de um personagem que não pertence a tempo algum — um ciborgue, metade homem e metade máquina, que carrega nas costas o peso de batalhas invisíveis e o eco de revoluções nunca concretizadas. Esse EP não é para quem procura o synthwave festivo das pistas neon. É para quem entende que o futuro pode ser tão sombrio quanto o passado, e que cada fragmento de memória sideral carrega consigo uma dor quase insuportável.

Faixa a faixa: um diário musical de fragmentos cósmicos

O EP se desdobra em cinco capítulos, cada um trazendo uma atmosfera própria e um papel dentro dessa narrativa de caos e reconstrução. “Sunrise” abre o trabalho com um respiro: é uma pintura sonora de uma cidade futurista acordando para mais um dia, um momento de calmaria antes da tempestade. Em seguida, “Walker” rompe o equilíbrio com uma avalanche sonora que traduz a presença ameaçadora de um grande ciborgue invadindo e destruindo aquela cidade recém-apresentada — uma faixa que soa como um grito desesperado. Na sequência, surge “Space Ace”, que traz o sentimento de renascimento com a chegada de um herói para enfrentar a máquina destrutiva. “Stellar Engine” acelera o coração, com batidas que evocam uma perseguição motorizada pelo espaço sideral, colocando o ouvinte no centro da ação. Por fim, “Rise” fecha o ciclo com um sopro de vitória e esperança: mesmo diante da destruição, existe a promessa de um recomeço, e CyberCan transforma esse sentimento em som.

Fragmentos que constroem um todo desconfortável

O título Sidereal Fragments não foi escolhido por acaso. Cada faixa funciona como um pedaço de uma mente em colapso, um diário cifrado de alguém que atravessou eras e saiu do outro lado irreconhecível. Há algo profundamente existencial na forma como CyberCan manipula seus sintetizadores: os pads etéreos que se estendem como poeira cósmica, os baixos pulsantes que lembram um coração mecânico tentando manter um corpo morto em movimento, e os efeitos que parecem sussurros vindos de uma estação espacial abandonada. É música para quem aceita se perder — e não tem pressa de voltar.

Um trabalho que não pede licença para existir

CyberCan nunca teve a intenção de agradar um público massivo — e isso fica evidente no lançamento restrito ao Bandcamp e YouTube. Sidereal Fragments existe para os que sabem ouvir além do óbvio, para quem entende que nem todo som precisa ser radiofônico ou encaixado em moldes pré-fabricados. Essa é a beleza do underground: criar sem permissão, existir sem pedir desculpas. Há um certo heroísmo em lançar um trabalho como esse em um mercado saturado por fórmulas prontas. CyberCan prova que a arte ainda pode ser resistência — mesmo que feita em um quarto iluminado apenas pelo brilho frio de telas e leds.

CyberCan e o peso de ser um viajante

O que mais impressiona em Sidereal Fragments não são apenas os arranjos e atmosferas, mas o conceito que sustenta tudo isso. CyberCan não é apenas um artista, mas um personagem: um viajante do tempo, eremita cósmico, arauto de uma resistência que talvez nunca vença. E esse EP é a trilha sonora de suas cicatrizes. É a música de quem andou demais, viu demais e perdeu tanto que já não sabe onde termina o humano e começa a máquina. É denso, é triste, é bonito — e é necessário.

Conclusão: Sidereal Fragments não é um EP para todos, e é justamente isso que o torna essencial. É uma obra que não se curva a expectativas, que prefere falar baixo para quem está disposto a ouvir alto. No mundo em que o brilho do synthwave costuma ofuscar suas sombras, CyberCan escolheu caminhar no escuro. E fez disso um manifesto.

YOUTUBE: https://www.youtube.com/@iamCybercan
BANDCAMP: Music | CyberCan
SoundCloud: Stream música de CYBERCAN |

Zé do Caos assina em baixo.
Nota: 9/10
Destaques: "Walker" e "Space Ace"

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