Sangue de Barro – Quebranto (2025)
Um disco que mistura tradição e psicodelia para transformar dor, resistência e identidade em música
RESENHA
Por Zé do Caos
6/3/2025



Tem álbum que chega de mansinho, pedindo licença para entrar. Mas “Quebranto”, do Sangue de Barro, não tem nada de tímido. Ele arromba a porta, traz barro na bota, o coração na garganta e um grito que ecoa das entranhas do Agreste pernambucano. Aqui, não há intenção de simples entretenimento: é música para sacudir, encarar e lembrar que o sertão também sabe fazer barulho com distorção. É rock de terreiro, feitiço de pífano e batida de zabumba atravessados por riffs que queimam como o sol no asfalto quente da resistência.
Esse é um disco que dialoga diretamente com a tradição e, ao mesmo tempo, desafia rótulos. Ele mostra que a música nordestina pode coexistir com a psicodelia e o peso do rock sem perder a essência. “Quebranto” não se curva a tendências ou fórmulas prontas — ele cria seu próprio território sonoro, onde o popular e o experimental se encontram em harmonia provocativa.
Um rito profano em forma de disco
Composto por oito faixas, “Quebranto” é um verdadeiro ritual sonoro que cruza a estrada poeirenta entre o psicodélico e o popular, sem pedir bênção a ninguém. Cada música é uma entidade, construída com arranjos que mesclam o xaxado e o baião com o peso da guitarra e a sujeira do fuzz. É um caos orquestrado, e o mais impressionante é que nada soa desordenado: a banda costura suas influências com precisão quase cirúrgica. A identidade do Sangue de Barro é clara — eles não querem apenas representar o Nordeste, querem reescrevê-lo em distorção e melodia, ampliando o espaço da cultura popular no rock brasileiro.
A produção que pulsa como a feira de Caruaru
Gravado no Lá em Casa Studio, sob a produção certeira de Henrique Aragão, “Quebranto” não se esconde atrás de polimentos artificiais. O som é cru, sujo e vivo, como se o disco tivesse sido registrado no coração da feira de Caruaru, entre o pregão dos feirantes e o ronco dos amplificadores. Ouvindo, dá pra sentir o cheiro da terra molhada e o peso das histórias que ecoam em cada letra — algumas afiadas como faca, outras melancólicas como um lamento. Essa atmosfera orgânica é o que transforma o álbum em algo maior que um simples trabalho de estúdio: ele soa como um manifesto gravado no calor da luta diária.
Parcerias que fortalecem o feitiço
Para reforçar o ritual, o Sangue de Barro convocou parceiros que elevam a experiência. Tião Cavalcanti e Vitória do Pife surgem como presenças quase místicas, somando camadas de autenticidade e resistência à proposta. Não são participações para enfeitar — são alianças que reforçam o chamado do disco: colocar o Nordeste no centro da encruzilhada musical do Brasil, sem concessões e sem domesticar sua força.
Um chamado à resistência
“Quebranto” vai além de ser apenas um álbum. É um grito, um chamado urgente. É a resposta de quem cansou de ver o folclore sendo domesticado e a cultura popular reduzida a souvenir para turista. O Sangue de Barro reivindica o barulho dos esquecidos, o canto dos que ficaram e o tambor dos que ainda resistem. É música que não se contenta em ser pano de fundo — ela exige ser ouvida, sentida e digerida.
Nota: 9/10
Destaques: “Vento de Agouro”, “Trovoada no Olho” e “Mandinga Elétrica”.
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