Em um país acostumado a ver duplas surgirem e desaparecerem com a mesma velocidade com que conquistam hits, Sá & Guarabyra provaram ser uma exceção à regra. Com uma discografia coerente, letras profundas e um estilo que mesclava rock, folk e música do interior do Brasil, a dupla construiu uma carreira de mais de meio século marcada pela integridade artística e respeito à própria identidade.

E o mais impressionante: tudo isso aconteceu após a saída de Zé Rodrix, em 1973, quando muitos esperavam que o projeto chegasse ao fim.

O Início da Nova Fase: O Álbum "Nunca" (1974)

Com a saída de Rodrix, Luiz Carlos Sá e Guttemberg Guarabyra decidiram continuar como dupla e estrearam oficialmente essa nova fase com o álbum “Nunca”, lançado em 1974 pela Odeon/EMI. O disco marca uma transição entre a proposta inicial do chamado rock rural e uma linguagem mais introspectiva e poética, com forte influência do cotidiano urbano.

Entre as faixas presentes no álbum estão:

• As Canções Que Eu Faço

• São Nicolau

• Verão do Cometa

• Divina Decadência

• Coisa à Toa (parceria com Zé Rodrix, gravada antes da separação)

A sonoridade contava com arranjos sofisticados, participação da banda O Terço e letras que abordavam temas como viagens, sensações e observações sobre a vida nas cidades e nas estradas. Embora não tenha sido um sucesso comercial imediato, o disco foi reconhecido pela crítica como uma continuidade digna do trabalho anterior.

O Reconhecimento com “Pirão de Peixe com Pimenta” e “Sobradinho”

Foi em 1977, com o lançamento do álbum “Pirão de Peixe com Pimenta”, que a dupla alcançou projeção nacional. A canção “Sobradinho”, inspirada na construção da represa homônima no sertão baiano, tornou-se um dos maiores sucessos da carreira. A música chamou atenção pela força narrativa e pela crítica velada ao deslocamento de populações causado pelas obras do regime militar.

Outro destaque do álbum é “Espanhola”, composta em parceria com Flávio Venturini, que se tornaria um clássico regravado por diversos artistas e executado amplamente em rádios e festivais.

“Dona” e o Estouro com as Trilhas de Novela

O grande momento de exposição em massa veio nos anos 1980, quando a música “Dona” foi incluída na trilha sonora da novela Roque Santeiro, da TV Globo. Embora já tivesse sido lançada pela dupla em 1982, no álbum “Harmonia”, foi a regravação da banda Roupa Nova que fez a composição estourar em todo o Brasil.

“Dona” é, até hoje, uma das canções mais conhecidas da música popular brasileira e consolidou a reputação da dupla como grandes compositores, mesmo entre públicos que não conheciam seu trabalho mais autoral.

Outros temas compostos por eles também chegaram às trilhas de novelas, como:

• “Caçador de Mim” – imortalizada na voz de Milton Nascimento

• “Sete Marias”

• “Roque Santeiro (Tema de Abertura)”, feito sob encomenda para a novela

Uma Parceria Longa, Coerente e Sem Escândalos

Ao longo das décadas de 1980, 1990 e 2000, Sá & Guarabyra lançaram álbuns como:

• “Rio-Bahia” (1984)

• “Cartas, Canções e Palavras” (1997)

• “Outra Vez na Estrada – Ao Vivo” (2001), com participação de Zé Rodrix

Mesmo quando o mercado fonográfico brasileiro se transformou drasticamente, a dupla manteve o ritmo de gravações e apresentações ao vivo, sempre priorizando o conteúdo lírico, a poesia e a identidade musical própria. Nunca dependeram de modismos, escândalos ou marketing agressivo para continuar relevantes.

O Fim da Dupla: Um Adeus em Paz

Em abril de 2025, após mais de cinco décadas de estrada, Sá & Guarabyra anunciaram o encerramento oficial da parceria. Segundo comunicado à imprensa, a decisão foi tomada de forma natural, sem brigas ou rupturas. A agenda de shows se estenderá até setembro, como forma de despedida dos fãs que os acompanharam ao longo dos anos.

A notícia foi recebida com respeito e emoção pela crítica e pelo público, confirmando o que muitos já sabiam: Sá & Guarabyra são parte essencial da história da música popular brasileira, tanto pela originalidade quanto pela longevidade.

Legado: Quando o Interior Encontra a Poesia Urbana

Sá & Guarabyra não foram apenas os fundadores de um estilo musical; foram também cronistas sonoros de um Brasil profundo, contraditório, sensível e poético. A dupla provou que é possível fazer sucesso mantendo a integridade artística e que canções bem escritas, com alma e inteligência, sempre encontrarão seu público.

Mesmo com o fim da parceria, suas músicas continuam vivas — nas rádios, nas trilhas de novelas, nas regravações, nas plataformas de streaming e, principalmente, na memória afetiva de milhões de brasileiros.

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