Rock Rural: As Bandas que Plantaram Guitarra no Sertão

Do campo pra cidade, do mato pro palco: conheça os artistas que introduziram a viola caipira dentro da rebeldia do rock

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Redação - SOM DE FITA

6/3/2025

Muito antes do agro virar hype e dos discos sertanejos lotarem estádios, existiu um movimento que ousou cruzar a estrada de terra com a avenida elétrica. Era o rock rural, um som que misturava a alma do interior com a linguagem do rock, da psicodelia, do progressivo e até do folk. Poético, político e muitas vezes místico, esse som brotou entre Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro nos anos 1970 e criou uma estética única, com letras que falavam da vida simples, da natureza e da espiritualidade, embaladas por arranjos elaborados e melodias memoráveis.

Separamos aqui os principais nomes desse movimento que ainda ecoa como trovão no cerrado. Confira:

1. Sá, Rodrix & Guarabyra

O trio fundou não só uma banda, mas um gênero. Terra (1973) é considerado o manifesto oficial do rock rural brasileiro — um álbum que coloca a poesia da vida simples no centro da música popular, mas com arranjos que bebem no rock, no folk americano e no progressivo europeu.

A grande sacada do grupo foi criar uma linguagem brasileira para a liberdade que o rock representava. "Casa no Campo", eternizada por Elis Regina, nasceu nesse contexto e virou um hino para quem sonhava em escapar da vida urbana sufocante da ditadura. Outra curiosidade é que o trio teve uma relação próxima com o circuito publicitário da época — Rodrix, por exemplo, compôs jingles icônicos — o que explica a capacidade de criar refrões fortes sem abrir mão da profundidade lírica.

2. Zé Rodrix (solo)

Quando saiu do trio, Zé Rodrix não perdeu o pulso do ruralismo lisérgico. Seu disco Soy Latino Americano (1976) é praticamente uma ópera folk, misturando instrumentos andinos com teclados cósmicos, vocais épicos e letras panfletárias.

Além de músico, Rodrix era cronista do Brasil profundo e do existencialismo à beira do fogão a lenha. Ele ajudou a criar a mística do artista errante — um pé na estrada, outro no altar. E mesmo fora do circuito de hits, sua influência chega até artistas modernos do folk alternativo. Poucos foram tão independentes e visionários quanto ele.

3. O Terço

Embora mais conhecido por seu rock progressivo sofisticado, O Terço teve um flerte direto com o rock rural no disco Criaturas da Noite (1975), considerado um dos melhores álbuns da música brasileira de todos os tempos. As letras falam de amizade, viagens, espiritualidade e contemplação — temas tipicamente rurais, mas com roupagem progressiva.

O detalhe mais interessante? No ano anterior, os membros da banda participaram como músicos de apoio na gravação do álbum Nunca (1974), de Sá & Guarabyra. Essa imersão no universo do trio ruralista contaminou a banda com um novo olhar sobre a música brasileira, e isso aparece claramente na sonoridade pastoral e nostálgica de faixas como “Queimada” e “Jogo das Pedras”.

4. 14 Bis

Com uma sonoridade que mistura o legado do Clube da Esquina com melodias pop e arranjos progressivos, o 14 Bis foi uma espécie de "segunda geração" do rock rural. Formada por ex-integrantes d’O Terço e amigos da turma de Milton Nascimento, a banda criou canções que celebravam a natureza, os sonhos e os afetos simples.

Canções como “Planeta Sonho” e “Linda Juventude” são verdadeiros hinos de uma juventude que queria viver com o coração aberto e os pés na grama. A curiosidade: o nome da banda é uma homenagem direta ao espírito inventivo e livre de Santos Dumont — outro "caipira viajante".

5. Guarabyra (solo)

Depois da dissolução do trio original, Guarabyra seguiu carreira solo e provou que o espírito do rock rural podia continuar firme mesmo com menos holofotes. Seus trabalhos individuais mantêm a pegada lírica e reflexiva que marcou a parceria com Sá e Rodrix, mas com ainda mais maturidade nos arranjos e letras.

No álbum Brasil do Sol, por exemplo, Guarabyra continua cantando a natureza, a fé e a estrada — elementos que se tornaram sua assinatura. Além de músico, ele também teve importante papel como produtor e defensor da cultura brasileira, sempre levando adiante a bandeira de um Brasil profundo, interiorano, mas com os olhos no futuro.

Curiosidade: Guarabyra também foi um dos primeiros artistas brasileiros a abraçar o conceito de “música ecológica”, antecipando em décadas temas que hoje estão em pauta como sustentabilidade, espiritualidade ambiental e vida simples.

6. Luiz Carlos Sá (solo)

Após o fim do trio com Rodrix e Guarabyra, Sá seguiu carreira solo e manteve o espírito do rock rural vivo em discos como (1980) e Pão & Poesia (1983). Seu trabalho explora o lado mais poético e sereno do estilo, sempre com letras que falam de amor, saudade e memória com uma delicadeza ímpar.

Além disso, Luiz Carlos Sá continuou compondo para outros artistas, sempre com aquela pegada de estrada e céu estrelado. Ele é o típico cantor que parece mais um andarilho da canção — alguém que leva a roça no coração mesmo morando na cidade.

7. Renato Teixeira

Ícone da música caipira moderna, Renato Teixeira é também um elo entre o rural raiz e o rural reinventado. Suas composições têm a simplicidade da vida no campo, mas com arranjos e harmonias que flertam com o folk e o pop. “Romaria”, interpretada por Elis Regina, é uma das maiores provas disso.

Curiosidade: Renato foi parceiro frequente de Zé Rodrix nos anos 2000, num projeto chamado Amizade Sincera, ao lado de Sérgio Reis. Nessa fase, os três misturaram ainda mais as fronteiras entre música de raiz, rock e MPB — consolidando o que hoje se chama de "folk brasileiro".

8. Almir Sater

Mestre da viola caipira, Almir nunca se apresentou como rockeiro — mas seu som atravessa com força o espírito do rock rural. Músicas como “Tocando em Frente” e “Chalana” ganharam novos significados com seus arranjos contemplativos, solos limpos e letras que mais parecem poesia de beira de rio.

A curiosidade aqui é que, mesmo sem usar guitarra elétrica, Sater criou uma sonoridade tão intensa quanto qualquer banda de rock. E sua parceria com Renato Teixeira foi fundamental para manter viva a espiritualidade e a beleza do campo nas rádios e nas trilhas de novelas.

9. Os Mutantes (fase pós-Rita Lee)

Depois da saída de Rita Lee, Os Mutantes mergulharam em uma fase mais densa e contemplativa. No disco Tudo Foi Feito Pelo Sol (1974), o grupo experimenta sonoridades que lembram muito a estética do rock rural — especialmente nos temas líricos, nas estruturas longas e na pegada introspectiva.

A formação dessa época contava com músicos mais ligados ao progressivo do que ao psicodelismo irreverente do início. E mesmo não sendo declaradamente rural, o clima de algumas faixas lembra uma viagem solitária pelas estradas do Brasil central, com sol, poeira e filosofia.

10. Beto Guedes

Mineiro raiz, Beto Guedes é uma peça-chave na ponte entre o rock rural e o Clube da Esquina. Seu disco Amor de Índio (1978) é um marco não só musical, mas espiritual — um convite à introspecção, à comunhão com a terra e ao amor como força vital.

A música “O Sal da Terra”, parceria com Lô Borges, virou um hino ecológico muito antes de o termo "sustentabilidade" virar moda. Beto também ajudou a definir o violão como elemento central da música brasileira contemplativa, substituindo a guitarra distorcida por acordes suaves que evocam montanhas, rios e caminhos de terra.

E Hoje, Tem Rock Rural?

O rock rural como movimento não existe mais com a mesma força, mas sua influência pode ser ouvida em artistas como Vanguart, Rubel, Zé Manoel, O Terno, e até na introspecção poética de Cícero. Eles bebem da mesma fonte — do campo, da solitude, da espiritualidade — e reinterpretam esse legado com uma estética contemporânea.

O Som de Fita preparou uma playlist especial mergulhada no espírito do rock rural brasileiro — aquele som que nasceu entre a estrada de terra, a viola e a psicodelia. São faixas essenciais dos artistas que ajudaram a criar esse estilo único, misturando o interior com a rebeldia do rock. Dá o play, se ajeita na rede e vem viajar com a gente nessa trilha sonora de alma simples e coração elétrico.

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