REVISTAS e ZINES Perigosos Demais para Sobreviver: Os Impressos Que o Mundo Tentou Apagar

Memórias censuradas, arquivos destruídos e ideias que sobreviveram nas margens da história

Redação - SOM DE FITA

11/3/2025

No submundo das bancas e mimeógrafos, muitas publicações nasceram com o destino traçado: ser silenciadas. Em diferentes épocas e países, revistas e zines ousaram desafiar governos, igrejas, corporações e padrões morais — e pagaram caro por isso. Foram proibidas, queimadas, escondidas ou simplesmente esquecidas.
A história da comunicação alternativa é feita não só de quem foi lido, mas também de quem foi apagado. Nesta lista, revisitamos sete publicações consideradas perigosas demais para sobreviver, cada uma um espelho de sua época e um lembrete do poder subversivo da palavra impressa.

1. O Pasquim — Brasil (1969–1991)

Quando o humor encontrou a resistência, nasceu O Pasquim. Criado em plena ditadura militar brasileira, o semanário reuniu nomes como Jaguar, Ziraldo, Millôr Fernandes e Paulo Francis. As páginas misturavam entrevistas afiadas, ironia e um tipo de liberdade que custava caro.
Durante os anos mais duros do regime, exemplares foram confiscados, redações invadidas e jornalistas presos. A repressão via O Pasquim como um vírus capaz de corroer a moral autoritária. Ainda que tenha sobrevivido até os anos 1990, boa parte de seu acervo físico se perdeu, e o silêncio forçado deixou marcas profundas. Hoje, o jornal é símbolo de um Brasil que ria para não enlouquecer.

2. Navilouca — Brasil (1974)

Idealizada por Torquato Neto e Waly Salomão, Navilouca foi uma espécie de grito psicodélico impresso. Misturando poesia marginal, colagens e experimentos visuais, a revista condensava a energia libertária da geração tropicalista e do underground literário brasileiro.
Publicada em plena vigência da censura, teve apenas uma edição, sufocada antes mesmo de circular amplamente. O projeto, editado pela Geração Paideia, foi considerado “inadequado” pelos órgãos de vigilância e por gráficas que temiam retaliação. Décadas depois, Navilouca tornou-se um objeto de culto — símbolo da arte que ousou nascer livre em tempos de silêncio.

3. Anarchy — Reino Unido (1961–1970)

Com design impecável e conteúdo incendiário, a revista britânica Anarchy foi um marco do pensamento libertário moderno. Longe de panfletarismo barato, suas páginas discutiam arquitetura, urbanismo e revolta social com sofisticação intelectual.
Mesmo assim, foi banida de bibliotecas, reprimida por escolas e retirada de circulação em várias cidades. Em plena Guerra Fria, falar de “autogestão” e “comunidades livres” era considerado subversão ideológica. Muitos números desapareceram, e só recentemente parte do acervo foi digitalizada por universidades independentes. Anarchy mostrou que o pensamento radical também pode ser belo — e, por isso mesmo, perigoso.

4. The Realist — Estados Unidos (1958–2001)

Antes de existirem os memes políticos, existia The Realist. Criada pelo humorista Paul Krassner, a publicação foi um laboratório de sátira e contracultura, misturando reportagens, ficção e piadas que afrontavam o moralismo americano.
Nos anos 60, em plena era Nixon, a revista foi acusada de “ameaça à segurança nacional” por ironizar a guerra do Vietnã, a religião e o puritanismo. Distribuidores se recusavam a vendê-la, igrejas organizaram queimas públicas e até o correio censurava entregas.
Mesmo assim, The Realist formou gerações de humoristas e ativistas que compreenderam o riso como arma política — até ser engolida pelo próprio avanço da mídia corporativa que ridicularizava.

Edições históricas de O Pasquim, símbolo da resistência cultural e do humor provocador durante a ditadura | Foto: Reprodução

5. Der Eigene — Alemanha (1896–1932)

Publicada em Berlim, Der Eigene foi a primeira revista gay do mundo. Fundada por Adolf Brand, defendia a liberdade sexual masculina décadas antes de o termo “homossexual” ser aceito socialmente.
O conteúdo — ensaios, poemas, nus artísticos — chocou o conservadorismo alemão do início do século XX. A revista sobreviveu a diversas apreensões até ser totalmente destruída pelos nazistas em 1933, junto com a biblioteca e os arquivos do editor.
Durante quase cinquenta anos, o mundo acreditou que Der Eigene nunca existira. Foi redescoberta apenas nos anos 1980, tornando-se um símbolo de como a repressão tentou apagar a história LGBTQ+ da modernidade.

6. Black Mask / Up Against the Wall Motherf***er — EUA (1966–1969)

O nome já dizia tudo: confrontar o sistema de frente. Esse coletivo anarquista nova-iorquino criou um zine que unia arte, poesia e ativismo direto. As páginas de Black Mask eram impressas precariamente, mas circulavam entre artistas, punks e estudantes radicais.
O FBI classificou o grupo como “terrorista cultural”, e várias edições foram destruídas. Seus textos influenciaram o nascimento do punk e da arte política urbana. O desaparecimento quase total de exemplares físicos transformou Black Mask em lenda — uma chama que incendiou o underground antes de sumir nas sombras do Estado.

7. Katabasis — França (anos 1970)

Pouco se sabe sobre Katabasis, e talvez isso seja parte de seu fascínio. Publicação de filosofia e ocultismo político, misturava textos de Georges Bataille, Antonin Artaud e reflexões esotéricas sobre revolução e decadência.
Circulava discretamente entre artistas e militantes surrealistas em Paris, mas enfrentou censura até mesmo dentro da esquerda, por ser considerada “hermética e perigosa”. Muitos exemplares foram apreendidos ou destruídos, e apenas fragmentos digitalizados sobreviveram.
Hoje, Katabasis é lembrada como um símbolo das ideias que assustam até os próprios rebeldes — um labirinto de pensamento proibido que questionava o poder, o sagrado e a razão.

Ideias que não se apagam

Essas publicações desapareceram de prateleiras, mas não da história. O papel queimou, mas o eco permanece: cada revista destruída abriu espaço para uma nova geração de criadores, jornalistas e artistas que continuam desafiando o silêncio.
Se há algo que todas essas histórias provam é que a censura não mata ideias — apenas as torna subterrâneas. O verdadeiro perigo não é o que se diz, mas o que se tenta impedir que seja dito.

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