Quando a Qualidade Não Basta: O Desafio de Engajar Produções Fonográficas e Audiovisuais Sem Investimento em Divulgação

Mesmo trabalhos excelentes desaparecem no mar do conteúdo digital quando não há verba para impulsionamento, deixando espaço para produções inferiores que pagam pelo engajamento.

ARTIGOS

Por Esdras Junior

7/28/2025

Imagem gerada por IA

O cenário fonográfico e audiovisual brasileiro vive um dilema que afeta diretamente a diversidade artística: sem investimento em divulgação, mesmo trabalhos criativos e de alta qualidade dificilmente encontram seu público. Enquanto isso, produções medíocres, mas com grandes verbas para impulsionamento, ganham destaque, criando uma ilusão de relevância que nem sempre reflete o mérito artístico. Essa dinâmica perversa reforça a concentração de atenção em quem pode pagar, sufocando vozes independentes e criativas.

Essa questão se estende a todos os níveis da indústria cultural, do underground às grandes plataformas. É um problema que impacta não apenas a carreira de artistas independentes, mas a própria diversidade da cena brasileira, que se torna cada vez mais previsível e pouco inovadora. Para ilustrar, o caso da banda The Velvet Sundown, que acumula mais de meio milhão de ouvintes mensais no Spotify e levanta suspeitas de ter sido criada por inteligência artificial, expõe como a indústria pode inflar números e criar relevância aparente sem transparência ou engajamento orgânico.

1. Quando o Algoritmo Escolhe Quem Vai Ser Ouvido

Plataformas como Spotify, YouTube e Instagram não são neutras: elas funcionam a partir de algoritmos que priorizam o que gera lucro — e isso, invariavelmente, favorece quem paga por anúncios ou investe em estratégias de impulsionamento. Nesse contexto, produções independentes e sem verba ficam escondidas no fundo do catálogo, mesmo que apresentem inovação artística e alto nível técnico.

O resultado é que o público raramente descobre novos artistas por mérito orgânico. Em vez disso, a atenção é direcionada para campanhas publicitárias robustas, clipes com grandes orçamentos e músicas estrategicamente inseridas em playlists patrocinadas. A lógica de recomendação dessas plataformas cria um ciclo vicioso: quanto mais se paga, mais se aparece; quanto mais se aparece, mais se cresce.

Esse cenário mina a competitividade saudável do setor. Obras independentes que poderiam revolucionar a indústria passam despercebidas, enquanto produções sem identidade ou relevância artística alcançam números impressionantes apenas pelo poder financeiro por trás delas. Assim, o mercado perde diversidade e se torna repetitivo.

A crítica mais dura é que essa lógica mercadológica impede que o público tenha acesso a conteúdos realmente inovadores. Em última instância, não são os ouvintes ou espectadores que escolhem o que consomem, mas sim os algoritmos alimentados por quem pode pagar.

2. O Preço da Visibilidade: Quando a Arte se Torna Produto

Produzir arte sempre foi um ato criativo, mas, no contexto digital, tornou-se também uma operação de marketing. Para que uma música ou filme seja visto, é preciso investir em impulsionamento, assessoria, redes sociais e campanhas estratégicas. Sem isso, a obra fica invisível, por melhor que seja.

No Brasil, essa situação é ainda mais grave. Artistas independentes, que já enfrentam dificuldades com infraestrutura e apoio institucional, veem-se obrigados a competir com grandes gravadoras e produtores que têm orçamentos milionários para promover seus lançamentos. Nesse embate desigual, a qualidade artística perde espaço para quem consegue pagar pela maior fatia do algoritmo.

Além disso, o engajamento pago cria métricas distorcidas. Likes, visualizações e reproduções compradas geram a sensação de que certos artistas ou bandas são fenômenos de popularidade, quando na verdade há pouca conexão real com o público. Isso contribui para que a cena musical se torne menos autêntica, inflada por números artificiais.

Essa lógica faz com que a produção artística perca sua essência como expressão cultural, transformando-se cada vez mais em um produto fabricado para consumo rápido. Obras de alto valor criativo ficam restritas a nichos, enquanto a indústria foca apenas no que pode gerar lucro imediato.

3. The Velvet Sundown: A Banda Misteriosa que Expõe a Fragilidade do Sistema

Um exemplo curioso desse fenômeno é o da banda The Velvet Sundown, que acumula mais de meio milhão de ouvintes mensais no Spotify, mas levanta suspeitas de ser um projeto criado por inteligência artificial. A falta de informações sobre integrantes, shows e presença nas redes sociais alimenta teorias sobre sua origem, enquanto suas músicas seguem crescendo em popularidade.

Esse caso levanta uma questão importante: até que ponto os números refletem engajamento real? A banda ilustra como é possível manipular métricas e construir relevância aparente sem interagir com o público ou ter um histórico artístico tradicional. Se for confirmada a utilização de IA, estaremos diante de um marco que evidencia como a indústria fonográfica pode fabricar artistas digitais que ocupam espaço nas plataformas sem passar pelo crivo do público.

Enquanto isso, artistas reais, com projetos sólidos e conteúdo genuíno, lutam para conseguir alguns milhares de ouvintes. A situação é um reflexo direto da prioridade dada a quem consegue investir pesado em impulsionamento, independentemente da autenticidade do projeto.

O fenômeno The Velvet Sundown expõe que a música contemporânea está cada vez mais distante do mérito artístico e cada vez mais próxima de estratégias de marketing e programação de algoritmos.

4. Um Mercado Pouco Diversificado: O Impacto no Brasil

Essa lógica não é apenas injusta, mas prejudica diretamente a diversidade cultural. O mercado fonográfico brasileiro é um dos menos diversificados do mundo justamente porque só se destaca quem tem dinheiro para pagar pelo engajamento. Isso cria um ciclo de repetição: sempre os mesmos estilos, os mesmos nomes e os mesmos temas dominando as paradas.

Para o público, isso significa um consumo limitado, com menos acesso a novas ideias, sonoridades e narrativas. Para os artistas independentes, representa frustração e desmotivação, pois sabem que o talento e a dedicação não bastam sem recursos para competir no jogo financeiro da indústria.

Essa concentração de visibilidade também impacta a inovação. Sem estímulo para explorar novas possibilidades sonoras, muitos artistas acabam seguindo tendências pré-estabelecidas, reforçando ainda mais a homogeneização do mercado. Em última instância, a música e o audiovisual brasileiros tornam-se menos representativos da pluralidade cultural que existe no país.

Se não houver mudanças nesse modelo — seja com políticas públicas, plataformas mais justas ou maior conscientização do público —, a cena independente continuará sufocada, e a arte continuará sendo tratada como mero produto de consumo.

Conclusão

A dificuldade de engajar produções fonográficas e audiovisuais sem investimento financeiro é um sintoma de um problema maior: a mercantilização da arte e o controle das plataformas digitais sobre o que chega ao público. Casos como o da The Velvet Sundown ilustram como a relevância pode ser fabricada, enquanto artistas genuínos permanecem invisíveis. É urgente repensar os modelos de distribuição e promoção, para que a diversidade cultural brasileira possa florescer sem depender exclusivamente do poder econômico.

mais notícias: