O legado de David Bowie continua a surpreender fãs e estudiosos da música. Quase uma década após sua morte, veio à tona um projeto até então desconhecido do artista britânico, revelando mais uma camada de sua mente criativa. Trata-se de The Spectator, um musical que Bowie desenvolveu em segredo nos últimos meses de vida. As anotações manuscritas foram recentemente descobertas em seu estúdio e agora integram o acervo do Museu Victoria and Albert (V&A), em Londres.

Mesmo colaboradores próximos afirmaram que nunca ouviram falar dessa iniciativa. O material estava guardado em um quarto de acesso restrito, frequentado apenas pelo próprio Bowie e por seu assistente pessoal. Agora, essas páginas oferecem um raro vislumbre de um projeto que poderia ter ampliado ainda mais o alcance artístico do camaleão do rock.

Um mergulho na Londres do século 18

De acordo com os registros encontrados, The Spectator seria ambientado na Londres de três séculos atrás. Bowie esboçou personagens e cenários que exploravam as contradições de uma cidade em transformação, marcada pela arte, mas também pela violência urbana.

As anotações fazem referência a histórias de gangues criminosas e mencionam o famoso ladrão “Honest” Jack Sheppard, uma figura lendária que escapou várias vezes da prisão antes de ser capturado e enforcado em 1724. Esse interesse por narrativas sombrias e marginalizadas dialoga com a maneira como Bowie sempre explorou temas complexos em sua obra, mesclando cultura popular, literatura e teatralidade.

A escolha de um período histórico específico indica também a afinidade do músico com o teatro e a dramaturgia. Ao longo da carreira, Bowie sempre transitou entre a música, o cinema e as artes cênicas. A ideia de um musical histórico confirma que sua mente criativa permanecia inquieta e disposta a arriscar até o fim.

Doações e preservação do acervo no Museu V&A

Segundo o jornal The Guardian, as anotações sobre The Spectator foram doadas ao Museu V&A, juntamente com mais de 90 mil itens pertencentes ao arquivo pessoal de Bowie. Esse conjunto inclui figurinos, instrumentos, manuscritos, capas de álbuns e outros objetos que ajudam a contar a história de sua trajetória artística.

O público terá acesso a esse material a partir de 13 de setembro, quando será inaugurado o David Bowie Centre no V&A East Storehouse, em Hackney Wick. A abertura contará com exposições especiais organizadas por artistas contemporâneos, como a banda The Last Dinner Party, e pelo lendário produtor Nile Rodgers, que trabalhou com Bowie em álbuns marcantes, incluindo Let’s Dance (1983).

A expectativa é que a mostra não apenas celebre os trabalhos já conhecidos, mas também permita reflexões sobre o que Bowie ainda poderia ter produzido. O ineditismo de The Spectator amplia a compreensão sobre seus interesses culturais, mostrando um artista que, mesmo diante da doença, ainda projetava novos caminhos para sua obra.

Bowie e a arte de criar até o fim

Vale lembrar que, pouco antes de morrer, Bowie assinou o espetáculo Lazarus em parceria com o dramaturgo Enda Walsh. A peça, inspirada no romance O Homem Que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth), foi uma das últimas realizações públicas de sua carreira.

Com a revelação de The Spectator, fica evidente que o artista não desacelerou em nenhum momento. Mesmo debilitado, ele seguiu desenhando novas possibilidades artísticas, reafirmando sua capacidade de unir música, teatro e literatura.

“É impressionante pensar que ainda havia ideias guardadas que o mundo não conhecia”, comentou um dos curadores do V&A. Para os fãs, o surgimento desse projeto é um presente inesperado, um lembrete de que a criatividade de Bowie parecia inesgotável.

Mais do que uma curiosidade histórica, o musical secreto reforça a dimensão de Bowie como um criador múltiplo, capaz de dialogar com diferentes linguagens artísticas. Ao dar vida a um espetáculo ambientado no século 18, ele demonstrava interesse em revisitar o passado para lançar novas provocações no presente.

Conclusão

O aparecimento de The Spectator adiciona um novo capítulo à história de David Bowie, revelando um artista que nunca deixou de planejar, mesmo diante do fim. O material, agora preservado pelo Museu V&A, garante que futuras gerações possam acessar não apenas o que ele realizou, mas também os caminhos que desejava explorar.

Bowie partiu em 2016, mas sua presença permanece viva em cada descoberta. Como esse projeto recém-revelado mostra, ainda há muito a aprender com a mente inquieta e visionária que redefiniu a música e a arte no século 20.

David Bowie no lançamento do disco 'Reality', em 2002

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