Produção da série documental sobre SECOS & MOLHADOS enfrenta entraves e estreia com lacunas
Apesar do impacto da banda e da curiosidade sobre sua história, a nova série do Canal Brasil precisou contornar obstáculos decisivos — entrevistas recusadas e repertório inacessível limitam a narrativa.
Redação - SOM DE FITA
10/29/2025




A banda Secos & Molhados é historicamente reconhecida como um dos marcos da música brasileira no início dos anos 70, com uma sonoridade visceral, visual andrógino e forte impacto cultural. A produção documental trazida pelo Canal Brasil, composta de quatro episódios dirigidos por Miguel de Almeida e baseada no livro Primavera nos dentes – A história dos Secos & Molhados, visava revisitar esse fenômeno.
A série estreia na sexta-feira, 31 de outubro, com exibição semanal e roteiro que se propõe a abordar tanto a ascensão vibrante quanto a implosão do trio – formado por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gérson Conrad.
Contudo, apesar da promessa, a produção revela-se limitada em certos aspectos fundamentais: o acesso a uma das vozes centrais da história do grupo – João Ricardo – não foi garantido, e a veiculação das faixas mais emblemáticas do repertório não pôde ocorrer, comprometendo o apuro do recorte histórico.
Dois obstáculos graves e o impacto na narrativa
Dois entraves se destacam como decisivos para a forma final da série:
1. Recusa de João Ricardo em participar: João Ricardo, integrante fundador da banda e autor principal do repertório, “é a única testemunha viva de um dos lados da conturbada história da implosão do grupo em 1974”. Como ele não concedeu entrevista, “a série apresenta somente uma visão parcial dos acontecimentos, embora essa visão seja crível por ser endossada por quase todos.”
A ausência de seu depoimento priva o documentário de um dos pontos de vista mais controversos — o que inevitavelmente reduz a abrangência da narrativa.
2. Impossibilidade de usar as músicas-chave: Não menos grave, João Ricardo “não deu autorização para a veiculação das músicas na série”. Como consequência, faixas como O Vira e Sangue Latino permaneceram fora da produção. A reportagem frisa: “não foi possível rebobinar as gravações de músicas emblemáticas na trajetória do trio”.
Sem a trilha original, parte do impacto e da memória sonora do grupo ficam diluídos — o que reduz o poder de evocação e a densidade histórica para o espectador.
Diante destes dois gargalos, a produção do documento — pela empresa Santa Rita Filmes — “se virou na medida do possível, dentro dos limites permitidos por lei”. Segundo a avaliação crítica, o resultado são quatro episódios que “poderiam resultar em dois sem prejuízo da informação”. Mais: toda a “pendenga da implosão do grupo é o assunto dominante do último episódio”.




O que a série oferece — e o que deixa a desejar
Apesar das restrições, a série ainda reúne elementos de interesse para quem acompanhou ou deseja conhecer a história do Secos & Molhados.
Depoimentos dos integrantes Ney Matogrosso e Gérson Conrad — juntos ou separados — formam o núcleo narrativo. A presença dos músicos Emílio Carrera (piano) e Willy Verdaguer (baixo) dá adicional verossimilhança, já que ambos acompanharam o trio nos shows e gravações.
Foi relatado que esses músicos “inclusive foram convidados a criar temas inéditos para a série com sonoridade fiel à época do Secos & Molhados”. Ou seja: a produção busca recriar, ainda que parcial, o ambiente artístico da banda.
Por outro lado, figuram também depoimentos de nomes como Ana Cañas, Charles Gavin, Claudio Tovar, Paulo Mendonça e Roberto Frejat. A reportagem observa que tais falas tendem a ser “geralmente genéricas” e “quase sempre sem acrescentar de fato uma visão minimamente original sobre o grupo”. Entre eles, Gavin se destaca como “o depoente das falas mais relevantes”.
Isso significa que, para a audiência mais atenta ou conhecedora da banda, o documentário pode soar repetitivo — especialmente nos trechos em que a narrativa se apoia em material mais superficial.
Ney Matogrosso aparece sem “tipo” ou pose: segundo o texto, “dá a versão dele dos fatos com aparente sinceridade, corroborada pelas falas de Gerson”. Ainda assim, algumas escolhas de roteiro — por exemplo, o uso recorrente de cenas da peça O Rei da Vela (1968) e de takes de filmes — são apontadas como “gorduras no roteiro”. Ou seja: momentos que não necessariamente acrescentam ao cerne da história, mas estendem o episódio.
Considerações finais
A série documental sobre o Secos & Molhados chega em um momento de grande relevância: a banda permanece como símbolo de ousadia estética, musical e cultural no Brasil. Mesmo com apenas dois discos lançados e uma trajetória breve — a formação clássica durou de 1973 a 1974 — o impacto foi profundo.
Diante disso, é legítimo o interesse por uma produção que busque resgatar essa história — mas também justo o critério crítico de observar o quanto essa produção consegue cumprir o que promete. Neste caso, os dois entraves mencionados colocam limites claros à amplitude da narrativa.
Para o espectador ou pesquisador da música brasileira, a série oferece — ao menos — acesso a depoimentos centrais e à recriação sonora de época. Já para quem esperava um panorama completo, com repertório integral, múltiplas vozes e todas as perspectivas, talvez reste uma sensação de que o esforço ficou “no limite da produção”, como bem define a matéria original.
Resta saber como será recepcionada pelo público e como o próprio Canal Brasil e a produtora responderão às críticas. Independentemente disso, o nome Secos & Molhados continuará pulsando no imaginário da música nacional — e esta série será mais um capítulo nessa história.
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