
Palco da Resistência: Os Maiores Espetáculos Teatrais Contra a Ditadura no Brasil
Do grito silenciado à arte como forma de sobrevivência, relembramos peças históricas que enfrentaram a repressão com coragem, poesia e denúncia
LISTAS
Redação - SOM DE FITA
7/8/2025




Durante os anos sombrios da ditadura militar no Brasil (1964–1985), o teatro se firmou como uma das mais potentes trincheiras de resistência artística. Enquanto jornais eram censurados e músicas vetadas, os palcos se tornaram locais de protesto disfarçado — ou, em muitos casos, escancarado. Com dramaturgia afiada, metáforas inteligentes e coragem para subverter a ordem imposta, artistas do teatro criaram obras que, além de confrontarem o regime, deixaram marcas indeléveis na história cultural do país. A seguir, revisitamos espetáculos que usaram a arte cênica como arma contra a opressão.
1. Roda Viva (1968) – Chico Buarque e José Celso Martinez Corrêa
Montada pelo Teatro Oficina, "Roda Viva" é um marco da contracultura no Brasil. Com texto de Chico Buarque e direção incendiária de Zé Celso, a peça escancarava a manipulação da indústria cultural e fazia críticas veladas ao autoritarismo. Sua linguagem inovadora e irreverente provocou reações violentas: foi brutalmente atacada por grupos paramilitares como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), e acabou censurada. Ainda assim, entrou para a história como um grito de liberdade.
2. Eles Não Usam Black-Tie (1958/1981) – Gianfrancesco Guarnieri
Escrita antes do golpe de 1964, mas ressignificada no período ditatorial, essa peça ganhou força ao tratar de luta de classes, conflitos familiares e resistência política. A montagem do Teatro de Arena teve diversas versões encenadas durante a ditadura e influenciou fortemente o pensamento crítico nas artes cênicas. O embate entre o pai sindicalista e o filho que evita o confronto resumia a tensão social daquele Brasil sufocado.
3. O Rei da Vela (1967) – Oswald de Andrade / Zé Celso Martinez Corrêa
Revitalizando o Manifesto Antropofágico em plena era da repressão, Zé Celso resgatou essa obra modernista com uma encenação selvagem e provocativa. A peça desnudava o capitalismo selvagem e os vícios das elites, incomodando profundamente os conservadores. Mais do que uma crítica social, “O Rei da Vela” era um ato de rebeldia estética e política.
4. Liberdade, Liberdade (1965) – Millôr Fernandes e Flávio Rangel
Estreada pouco após o golpe militar, a peça costurava textos históricos e literários de autores como Sócrates, Jesus Cristo, Gandhi e Luther King para discutir a liberdade de pensamento ao longo da história. Mesmo sem citar diretamente o regime militar, o subtexto era claro e perturbador para a censura. A peça foi um sucesso de público e um marco do teatro de resistência.
5. Morte e Vida Severina (1965) – João Cabral de Melo Neto / direção de José Celso
Embora baseada em um poema publicado anos antes da ditadura, a montagem teatral de "Morte e Vida Severina" nos anos 60 ganhou contornos de denúncia política contra a miséria e a injustiça social do país. O protagonista, um retirante nordestino, simbolizava o povo brasileiro oprimido e esquecido. A peça emocionava pela poesia, mas também denunciava as estruturas que perpetuavam a desigualdade.
6. Gota D’Água (1975) – Chico Buarque e Paulo Pontes
Inspirada na tragédia grega de Medeia, a peça transporta o drama para uma favela carioca, expondo o abandono, a traição e a manipulação política. Ao mostrar o sofrimento de Joana, uma mulher traída pelo amante e pelo sistema, "Gota D’Água" fazia uma crítica feroz ao abandono das classes populares e ao cinismo das elites. O texto ganhou força como metáfora da opressão vivida sob o regime militar.
7. A Resistível Ascensão de Arturo Ui (1977, Brasil) – de Bertolt Brecht, com direção de Fernando Peixoto
Embora escrita por Brecht em 1941, a montagem brasileira da peça durante os anos de chumbo ganhou forte conotação política. A trama — que usa uma metáfora com gângsteres para retratar a ascensão de Hitler — foi adaptada para alfinetar diretamente o autoritarismo vigente no Brasil. O uso de linguagem brechtiana, com distanciamento e ironia, tornou o espetáculo uma aula de subversão.
8. As Confrarias (1980) – Augusto Boal / Teatro do Oprimido
Criado por Augusto Boal após seu retorno do exílio, o Teatro do Oprimido resgatava o poder de transformação do espectador, transformando-o em "espect-ator". "As Confrarias" foi um dos exemplos mais potentes dessa proposta: uma peça em que o público podia intervir na narrativa e alterar o rumo da história, criando uma nova consciência política coletiva. Era arte como prática revolucionária.
9. O Abajur Lilás (1981) – Plínio Marcos
Plínio Marcos já era conhecido por sua crueza e contundência ao retratar a marginalização. Em "O Abajur Lilás", ele expõe o universo de prostituição, violência e abuso em uma pensão. A peça incomodava por escancarar a hipocrisia e os abusos estruturais da sociedade — e por consequência, do Estado. Mesmo censurada e perseguida, encontrou formas de continuar sendo encenada em circuitos alternativos.
10. O Inspetor Geral (1978, adaptação) – de Nikolai Gogol, com direção de Antunes Filho
Embora escrita no século XIX, a sátira de Gogol sobre corrupção e medo do poder ganhou releitura crítica com Antunes Filho em plena ditadura. A encenação destacou o clima de paranoia e vigilância do regime militar, com uma estética que misturava grotesco, absurdo e realismo cênico. A peça fazia rir, mas deixava um gosto amargo de reconhecimento.
Em tempos de censura, o teatro brasileiro encontrou formas brilhantes de burlar a mordaça e transformar o palco em arena de luta. Os espetáculos aqui listados não apenas resistiram ao apagamento imposto pelo autoritarismo, como se tornaram documentos vivos de um Brasil que ousou questionar. Hoje, revisitá-los é também um ato de memória — e resistência.
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