
O SERTANEJO UNIVERSITÁRIO é a prova viva de que a faculdade não salva ninguém
Como um rótulo marqueteiro transformou a música em diploma falso e vendeu festa no lugar de arte
Por Zé do Caos
9/19/2025






Poucos gêneros musicais revelam tanto sobre a alma do Brasil quanto o sertanejo universitário. Nascido para parecer sofisticado e jovem, carregando o título de “universitário”, esse movimento acabou escancarando uma verdade incômoda: a faculdade não salva ninguém. O rótulo serviu como máscara para esconder a pasteurização do gênero, maquiar letras banais e transformar a música em produto descartável de open bar. Mais do que estilo musical, o sertanejo universitário foi o retrato de uma geração que confundiu diploma com autenticidade e festa com revolução cultural.
O nascimento de um rótulo que enganou meio mundo
O nome "sertanejo universitário" já nasce com um deboche implícito. Quando surgiu, a ideia era vender ao público jovem de faculdades a versão “moderna” de um gênero que, até então, tinha raízes rurais e histórias de sofrimento. Os empresários sabiam que, para entrar nas festas de repúblicas e bares de cidades universitárias, o sertanejo precisava se vestir de camisa polo, ganhar letras simplificadas e colocar um sorriso plastificado no rosto. Assim nasceu o pacote: dupla nova, cabelo arrepiado, refrão chiclete e o marketing de que aquilo era "coisa de universitário". Só que, convenhamos, esse diploma nunca chegou. O "universitário" do rótulo não tinha nada de acadêmico: era apenas uma desculpa para justificar a pasteurização de um gênero musical e vendê-lo como se fosse “inovação”.
Os primeiros nomes desse movimento, que surgiram entre o final dos anos 2000 e início dos 2010, fincaram bandeira nesse terreno fértil. Era a época em que o Brasil vivia uma euforia econômica, com crédito fácil e festas regadas a open bar. O sertanejo universitário foi o som que embalou a ressaca da classe média emergente: música de festa, de consumo rápido, que trocava histórias de amor trágico por slogans de balada. O rótulo universitário caiu como uma luva, mas era pura maquiagem.
A contradição maior estava justamente na promessa de sofisticação. O público comprava a ideia de que aquele novo sertanejo era mais leve, mais jovem, mais próximo da realidade urbana. No entanto, bastava prestar atenção para perceber que as músicas eram fórmulas repetitivas, fabricadas em escala industrial. Enquanto a MPB e o rock ainda tentavam manter alguma originalidade, o sertanejo universitário se firmava como fast food musical.
E assim, sob o pretexto de ser uma "atualização", o gênero se afastou ainda mais de qualquer autenticidade. Se antes o sertanejo falava da vida no campo, da migração, da dureza de viver longe da terra, agora se resumia a histórias de mesa de bar, balada e ressaca. Tudo embrulhado em melodias simples que não exigiam nada além de um ouvido disponível para o próximo refrão grudento.
A faculdade como desculpa para a mediocridade
O que mais incomoda no rótulo é a ironia: colocar a palavra "universitário" em um estilo que é, justamente, o retrato da superficialidade. A faculdade virou apenas cenário: shows em centros acadêmicos, DVDs gravados em repúblicas e letras que falam mais de cerveja do que de qualquer reflexão. O marketing foi certeiro: se você estivesse em uma festa de faculdade em 2010, ouviria que aquele som era “do momento”. Só que o "momento" virou regra, e a regra é uma música sem profundidade.
Não é exagero dizer que o sertanejo universitário transformou a faculdade em figurino. A presença da palavra no gênero nunca significou análise crítica, questionamento ou ousadia. Pelo contrário: serviu apenas como verniz de modernidade para vender mais ingressos. Era quase como se o diploma estivesse embutido no preço da entrada da festa open bar. Mas, no fim, o que restava era uma multidão repetindo os mesmos refrões sobre traição, copo cheio e vida boêmia.
E se a universidade é, teoricamente, o espaço para expandir horizontes e desafiar paradigmas, o sertanejo universitário mostrou que dá para reduzir tudo a um quadrado sonoro. A cada semestre, surgiam novas duplas, todas copiadas da mesma cartilha, disputando qual delas teria a próxima “balada do ano”. O que poderia ser uma explosão criativa virou um ciclo de reciclagem sem fim. A faculdade virou apenas um adereço de marketing.
Esse esvaziamento da palavra “universitário” revela muito do Brasil: um país onde títulos muitas vezes valem mais do que conteúdo. No caso do sertanejo, o diploma foi simbólico — não havia estudo, apenas fórmulas prontas. A universidade, nesse caso, não salvou ninguém: nem os artistas, nem o público, muito menos a música.
O império da mesmice e o poder da indústria
Se o sertanejo universitário dominou o país, não foi por acaso. Havia um exército de empresários, rádios e gravadoras apostando todas as fichas na fórmula. O rádio, que sempre foi aliado da música de massa no Brasil, abriu as portas de vez. Bastava lançar um refrão simples e a música tocava de norte a sul, da festa do peão à balada de faculdade. A televisão reforçava, os streamings consolidavam e o ciclo se retroalimentava.
O resultado foi uma hegemonia sufocante. Enquanto o rock, o reggae, o rap e até a própria MPB tinham que disputar espaço, o sertanejo universitário se tornou onipresente. E isso só foi possível porque a indústria percebeu que a mesmice dava lucro. Era mais fácil empurrar ao público dez músicas parecidas do que apostar em algo diferente. Assim, o gênero se transformou em um império da previsibilidade.
Os shows, embalados por megaestruturas e patrocínios milionários, consolidaram a imagem de que os artistas eram intocáveis. Mas, ao contrário dos ídolos antigos, que precisavam provar talento ao vivo, o sertanejo universitário dependia mais de espetáculo visual do que de musicalidade. Fogos, luzes, dançarinas e telões — tudo para distrair da pobreza sonora que vinha dos microfones.
E o público, embalado pela euforia de uma noite de festa, aceitava sem reclamar. O gênero se fortaleceu justamente nesse pacto: eu te dou uma música fácil de cantar bêbado, você me dá milhões de streams. É uma troca honesta, mas rasa. No fim, a indústria venceu e mostrou que a fórmula da mesmice pode render fortunas, mesmo que custe a integridade artística de um gênero.
O legado de uma farsa sonora
Hoje, olhando para trás, é possível perceber como o sertanejo universitário moldou uma geração inteira. Ele não só consolidou a ideia de que o consumo rápido vale mais do que a originalidade, como também abriu caminho para outros subgêneros igualmente pasteurizados, como o feminejo ou o chamado “piseiro universitário”. O molde estava pronto: basta repetir, mudar o rótulo e manter a máquina funcionando.
O maior problema é que, enquanto alguns artistas realmente buscam autenticidade dentro do sertanejo, o rótulo universitário contaminou a percepção do público. Muitos acreditam que todo sertanejo se resume a balada, copo de cerveja e refrão fácil. O peso desse estigma é enorme, e mesmo os artistas que querem se diferenciar acabam tragados pela lógica da indústria.
No fim das contas, o sertanejo universitário é a prova de que a faculdade não salva ninguém. Nem artistas, nem público, nem o próprio gênero. O diploma simbólico serviu apenas para mascarar a mediocridade. Quem esperava que a universidade traria sofisticação ao sertanejo encontrou apenas um palco iluminado, um refrão repetitivo e uma multidão embriagada cantando em uníssono.
Se a música é reflexo do seu tempo, o sertanejo universitário é um retrato cruel do Brasil dos anos 2010: um país que acreditou na ascensão da classe média, mas que acabou afogado em dívidas, open bars e ilusões embaladas por duplas de sorriso fácil. O legado não é de autenticidade, mas de repetição. E, verdade seja dita: se o futuro da música brasileira dependeu desse rótulo, então a universidade perdeu a batalha antes mesmo da formatura.
Imagem gerada por IA
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