O Renascimento das Fitas Cassete: Como a nostalgia analógica está refazendo a nova cena musical

Na contramão do streaming, bandas e selos independentes apostam no charme das fitas cassete como objeto de culto, memória afetiva e resistência cultural.

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Redação - SOM DE FITA

5/29/2025

Em pleno 2025, enquanto as playlists sob medida e os álbuns digitais moldam a paisagem sonora global, um ícone da era analógica ressuscita com força: a fita cassete. De símbolo de consumo popular a artigo de colecionador, a fitinha se transforma em ferramenta de expressão artística, principalmente entre músicos independentes, selos underground e entusiastas do "faça você mesmo".

Do apogeu ao ostracismo: uma breve história do cassete

O cassete nasceu na década de 1960 pelas mãos da Philips, mas só explodiu no mainstream nos anos 1980. Compacto, portátil e fácil de gravar, ele foi essencial para a popularização dos walkmans, permitindo que qualquer pessoa levasse sua trilha sonora para onde quisesse. Mais do que uma mídia, virou um símbolo cultural, associado à cultura jovem, aos intercâmbios de mixtapes entre amigos e namorados e ao surgimento das primeiras cenas musicais DIY.

Entretanto, com o advento do CD e do minidisc na década de 1990, seguido pelo MP3 e pela ascensão do streaming, o cassete perdeu espaço rapidamente, sendo relegado ao status de relíquia nostálgica. Por muito tempo, parecia ter desaparecido, exceto em coleções pessoais, sebos ou no fundo das gavetas.

Hoje, no entanto, ele ressurge não apenas como memória, mas como resposta sensorial e estética ao excesso de virtualidade e fluidez do consumo musical atual.

O retorno: por que lançar música em fita hoje?

Em uma época dominada pela efemeridade das músicas que viralizam e somem em questão de horas, o cassete oferece uma experiência oposta: materialidade, duração e intenção. Muitos músicos enxergam no formato uma oportunidade de criar uma relação mais íntima e duradoura com o público.

“Lançar em fita é uma maneira de desacelerar o consumo. A pessoa precisa parar, colocar a fita no deck, e ouvir sem pular faixas tão facilmente”, comenta Laura Menezes, idealizadora do selo Ruído Magnético, especializado em edições limitadas de punk, shoegaze e synthwave.

Além disso, o custo reduzido é um atrativo. Prensar um vinil pode ser inviável para artistas independentes, enquanto fazer uma pequena tiragem de fitas é acessível, artesanal e altamente personalizável. E para o público, a fita funciona como um item de colecionador, objeto de desejo e memória.

O apelo do lo-fi: estética e calor analógico

O renascimento do cassete também está profundamente conectado com a busca pela estética lo-fi, que valoriza imperfeições sonoras, chiados, saturações e texturas granuladas. Essas "falhas", antes vistas como limitações técnicas, hoje são celebradas como elementos de autenticidade e personalidade.

Gêneros como vaporwave, synthwave, bedroom pop e o lo-fi hip hop exploram essa estética de forma consciente, muitas vezes simulando sons de fita mesmo em gravações digitais. Mas nada se compara à experiência tátil e auditiva de ouvir uma fita de verdade.

“Quando você grava numa fita, o som se transforma. Ele perde a esterilidade do digital e ganha uma camada orgânica, quase como se a gravação respirasse”, explica o produtor musical e colecionador Marcos Freire, dono de um estúdio analógico em São Paulo. “É o oposto do autotune e da compressão excessiva das plataformas.”

O cassete, portanto, se encaixa como um meio ideal para artistas que querem explorar a estética vintage, transmitir uma ideia de "autenticidade crua" ou simplesmente criar uma obra que dialogue com uma tradição sonora específica.

Como montar sua própria gravadora de fitas

Em paralelo ao renascimento do formato, há um boom de selos caseiros que produzem fitas de forma totalmente artesanal. Com a facilidade de encontrar equipamentos como duplicadores manuais, decks antigos e fitas virgens na internet, muitos músicos e produtores independentes passaram a fabricar seus lançamentos em casa.

Esse movimento resgata não apenas a produção física, mas também a cultura gráfica das capas, encartes e rótulos personalizados. É comum que cada cópia seja numerada à mão, com embalagens feitas em pequenas oficinas, zines ou até colagens artísticas.

“Fazer fita é um ato de amor. Dá trabalho, mas você sente que está criando algo único, que passa por você inteiro — do som à embalagem”, relata Laura, da Ruído Magnético.

Além disso, muitos artistas utilizam as fitas como moeda de troca em eventos, feiras de vinil e encontros de música, reforçando laços comunitários e impulsionando novas cenas locais.

Números e eventos: o Cassette Store Day

O retorno do cassete não é apenas um fenômeno underground. A National Audio Company, uma das últimas fábricas de fitas do mundo, reportou um crescimento de 400% na produção ao longo da última década. Artistas mainstream como Billie Eilish, Metallica, Taylor Swift e The Weeknd também aderiram à tendência, lançando álbuns em fita para celebrar o revival.

Um dos marcos mais importantes dessa retomada é o Cassette Store Day, criado em 2013 como uma resposta alternativa ao Record Store Day. O evento celebra o formato com lançamentos exclusivos, eventos, festas e encontros em lojas e selos especializados ao redor do mundo.

“Ver adolescentes comprando fitas e montando coleções é algo que, há dez anos, parecia impossível”, afirma Rob Sheffield, crítico musical da Rolling Stone, em um artigo recente. “O cassete virou símbolo de uma juventude que quer algo mais do que o streaming: quer memória, toque, presença.”

O futuro do passado

Enquanto o mercado musical global avança para modelos cada vez mais algorítmicos e intangíveis, o renascimento do cassete representa uma espécie de contracultura, um convite à pausa, à escuta atenta e ao valor do objeto físico.

Se antes a fita era apenas uma tecnologia, hoje ela é um símbolo — de resistência, de identidade, de pertencimento. E, ao que tudo indica, seguirá firme, rodando suavemente nas cabeças dos tape decks de uma nova geração que nunca soube o que era ter que rebobinar uma música com uma caneta Bic, mas que agora faz isso com prazer e estilo.

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