O mundo ainda ouve o Brasil pelo som da bossa nova
Mesmo com o sucesso global do funk, do sertanejo e da pisadinha, o imaginário internacional continua preso ao violão suave e ao sussurro elegante de João Gilberto e Tom Jobim
Redação - SOM DE FITA
11/6/2025




O Brasil é uma das nações mais ricas em diversidade musical do planeta. Da Tropicália ao sertanejo, do forró ao tecnomelody, da pisadinha ao funk, são inúmeros os estilos que nasceram aqui e moldaram gerações. Ainda assim, para o ouvido estrangeiro, a imagem musical brasileira permanece praticamente a mesma há mais de sessenta anos: o país da bossa nova.
É curioso notar que, em 2025, três das cantoras mais comentadas da nova cena internacional — Olivia Dean (britânica), Laufey (islandesa) e Beabadoobee (filipina) — trazem em seus trabalhos algo que soa inegavelmente “brasileiro”. Com vocais delicados, arranjos minimalistas e uma atmosfera intimista, suas músicas evocam o mesmo clima suave e introspectivo que João Gilberto e Astrud Gilberto apresentaram ao mundo nos anos 1960.
“Nascidas entre 1999 e 2000, essas cantoras não têm origem brasileira, mas parecem ter passado anos caminhando por Ipanema ou vendo barquinhos em Copacabana”, afirma um texto que viralizou entre críticos internacionais.
Essa estética, marcada por vozes sussurradas e harmonias sutis, reflete o que o público global ainda associa ao Brasil: um país de sons elegantes, praianos e sofisticados — muito diferente da intensidade e diversidade rítmica que realmente se ouve por aqui.
Entre o reconhecimento internacional e o esquecimento interno
Apesar da força de movimentos como Tropicália e Clube da Esquina, que encantaram nomes como Kurt Cobain e Alex Turner, a bossa nova continua sendo o principal símbolo sonoro do Brasil no exterior. Cobain, por exemplo, demonstrou admiração pelos Mutantes, enquanto Turner, do Arctic Monkeys, já citou Lô Borges como influência. Mesmo assim, esses estilos são redescobertos apenas por nichos específicos.
Enquanto isso, a imagem clássica do país continua associada ao violão de nylon, à praia e ao romantismo suave. Nem o avanço meteórico do funk brasileiro — que hoje aparece nos rankings de streaming até na Turquia e na Ucrânia — conseguiu substituir a marca da bossa nova.



A britânica Olivia Dean evoca em suas canções a leveza e a delicadeza da bossa nova de João Gilberto e Astrud Gilberto | Foto: Divulgação

O mesmo vale para o impacto global de hits sertanejos dançantes como “Ai Se Eu Te Pego” e “Tchê Tchererê Tchê Tchê”, que dominaram o mundo no início dos anos 2010. Mesmo com esses fenômenos, o som que o mundo identifica como “brasileiro” continua sendo o de João Gilberto, Tom Jobim e Astrud Gilberto.
Em 1965, Getz/Gilberto conquistou o Grammy de Álbum do Ano, e “The Girl from Ipanema” venceu como Gravação do Ano. Foi o auge da bossa no cenário internacional — e, curiosamente, a mesma edição em que os Beatles foram nomeados Artista Revelação.
Décadas depois, o Brasil voltou ao Grammy em 2023, com Anitta disputando a categoria de Artista Revelação. Mesmo representando o funk e o pop global, a cantora carioca também flertou com a estética da bossa em “Will I See You” e na era “Girl From Rio”.
O legado que atravessa gerações
A influência da bossa nova segue viva em artistas de todo o mundo. Billie Eilish lançou “Billie Bossa Nova” e confessou que “Garota de Ipanema” é uma de suas músicas preferidas de todos os tempos. A cantora canadense Alessia Cara também revelou que sua primeira referência à música brasileira foi justamente a bossa — sem nunca ter ouvido falar de Mutantes ou Caetano Veloso.
Certa vez, quando Billie soube que Caetano a havia mencionado em uma canção, ela admitiu que não sabia quem ele era. Esse tipo de situação revela como, para o público global, o Brasil ainda é o país do sussurro elegante e do violão calmo, não da multiplicidade sonora que conhecemos internamente.
Há ainda um fator estético importante: o chamado “pop ASMR”, ou “pop sussurrado”, tendência atual que busca sons íntimos e vozes suaves, tem raízes diretas na técnica de João Gilberto. A geração Z pode não saber, mas o que hoje é moda no TikTok nasceu no Brasil dos anos 50.
Como já resumiu um crítico: “A bossa nova foi o primeiro gênero brasileiro a conquistar o mundo, ainda nos anos 50 e 60. Seus standards entraram em paradas internacionais, cruzaram com o jazz, influenciaram músicos de fora e se tornaram a primeira imagem sonora que muitos tiveram do Brasil.”
O pianista Sérgio Mendes (1941–2024) foi um dos maiores responsáveis por consolidar essa ponte cultural. Com o grupo Brasil ’66, ele colocou 14 músicas no Hot 100 da Billboard, incluindo duas que chegaram ao quarto lugar — um feito raro para um artista brasileiro em plena era do rock.
Ironia à parte, é fascinante: o país mais ruidoso, plural e ritmicamente inventivo do planeta ainda é lembrado lá fora por seu sussurro melancólico. A bossa nova não perdeu relevância; ela se transformou em linguagem universal, reciclada por artistas de diferentes gerações.
No fim das contas, o que permanece é o charme, a história e a exportabilidade desse som. O Brasil continua inventando novos ritmos, mas, quando alguém em outro país aperta o play e pergunta “isso é brasileiro?”, a resposta continua a mesma: “Bossa nova, claro.”
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