Motopsycho - Motopsycho

O álbum do trio norueguês desafia estruturas e transforma a incerteza em arte

RESENHA

Por Zé do Caos

5/17/2025

Motorpsycho botou mais um disco nas ruas — mas desta vez, a explosão vem disfarçada de arquitetura. Mais do que um álbum, trata-se de um manifesto sonoro sobre desordem e reconstrução. Não é música para ser ouvida de forma passiva, nem para quem busca apenas refrões marcantes: é uma obra que exige do ouvinte entrega total, atenção aos detalhes e disposição para se perder em seus próprios labirintos.

Este é um trabalho feito para estudiosos da música como linguagem — um tratado em onze capítulos sobre a incerteza, a memória corrompida e o colapso narrativo do eu. Motorpsycho desafia padrões e, em vez de entregar canções lineares, constrói ambientes emocionais complexos, que se entrelaçam entre o rock progressivo, o jazz, a psicodelia e a música experimental.

Abertura ritualística e inquietante

O início com “Lucifer, Bringer Of Light” já revela que não se trata de uma jornada comum. A faixa joga o ouvinte em um transe ambíguo, em que guitarras oscilam entre a solenidade do doom e a fluidez jazzística. O lirismo, denso e ritualístico, apresenta o portador da luz não como vilão, mas como espelho — mais filosófico do que religioso. As camadas de distorção se dobram sobre si mesmas como uma espiral de feedback autoconsciente, preparando terreno para o que virá.

Cartas para ninguém e melodias fragmentadas

“Laird Of Heimly” soa como um diário cifrado de alguém preso entre geografias míticas e psicológicas. Os vocais lembram cartas recitadas para ninguém, enquanto a base instrumental desconstrói qualquer linearidade. Mellotrons e contratempos circulares dialogam com riffs que não caminham — flutuam. É pós-rock para fantasmas, e um dos momentos mais atmosféricos do disco.

Em seguida, “Stanley (Tonight’s The Night)” quebra expectativas: trata-se de uma quase-canção, em que a estrutura é subvertida a cada compasso. A guitarra ora sussurra, ora arranha, ora implora. A bateria carrega um lamento escondido, e a voz se esfarela em metáforas noturnas, evocando Leonard Cohen em delírio progressivo.

Uma ópera do trauma e do retorno

O eixo gravitacional do álbum é “Neotzar (The Second Coming)”. Com mais de 20 minutos, a faixa funciona como uma ópera em miniatura. Dividida em seções que não se repetem, mas se respondem, ela fala sobre o retorno de algo divino — porém disforme. Não é redenção: é retorno traumático. A música incorpora elementos de minimalismo, psicodelia e música concreta, criando paisagens sonoras em que até o silêncio se torna protagonista. Cordas surgem como vultos, sintetizadores respiram como entidades, e a experiência é imersiva ao extremo.

Memória, linguagem e apagamento

“Core Memory Corrupt” se aproxima do ambient, mas com a cadência do krautrock e a sensibilidade de uma canção de ninar para inteligências artificiais. É um dos momentos mais contemplativos do disco, com sintetizadores que parecem respirar febrilmente. O lirismo é enigmático, com versos como “We were whole before we knew what whole meant”, uma reflexão sobre o tempo, a linguagem e a própria memória.

Por fim, “Dead Of Winter” encerra a jornada com frieza e introspecção. Os vocais soam como espectros, e o fim não chega como catarse, mas como apagamento. Motorpsycho parece dizer que o fim de toda história não é explosão, mas silêncio.

Um pacto com o ouvinte

O novo álbum não é uma viagem tradicional, e sim um desvio topológico da música contemporânea. É um trabalho que exige do ouvinte um pacto: ouvir sem tentar entender, sentir sem exigir sentido. É música que provoca, desafia e transforma — e talvez esse seja o seu maior mérito.

Zé do Caos assina em baixo.
Nota: 10 para quem atravessar inteiro. 0 para quem buscar refrão.

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