Espólios de músicos do JIMI HENDRIX EXPERIENCE acionam SONY por disputa de royalties

Sucessores de Noel Redding e Mitch Mitchell alegam exclusão financeira histórica e afirmam que ambos “morreram na pobreza” enquanto o catálogo segue rendendo milhões

Redação - SOM DE FITA

12/12/2025

A disputa envolvendo o legado de Jimi Hendrix ganhou um novo e delicado capítulo no Reino Unido. Os espólios de Noel Redding e Mitch Mitchell — respectivamente baixista e baterista do The Jimi Hendrix Experience — entraram com uma ação judicial contra a Sony Music Entertainment, alegando não ter recebido valores referentes a direitos autorais e de performance relacionados aos três álbuns clássicos gravados pelo trio. O processo reacende debates antigos sobre contratos da indústria fonográfica, repartição de royalties e a posição de músicos que, apesar de integrarem projetos historicamente rentáveis, teriam sido excluídos financeiramente ao longo das décadas.

Segundo os advogados que representam os sucessores de Redding e Mitchell, os dois músicos não tiveram acesso aos rendimentos gerados pelo próprio trabalho e “morreram na pobreza”, ambos nos anos 2000. A alegação sustenta que, mesmo após suas mortes, os herdeiros continuaram sem receber valores enquanto o catálogo segue sendo explorado comercialmente em vendas físicas, licenciamentos e plataformas de streaming. A ação judicial aponta ainda para um suposto conluio entre a gravadora e o espólio de Jimi Hendrix, morto em 1970, que teria contribuído para manter os dois músicos fora da divisão de receitas.

O caso, que já passou por decisões preliminares relevantes, coloca novamente sob escrutínio acordos firmados nas décadas de 1960 e 1970, período marcado por contratos pouco transparentes e práticas hoje amplamente questionadas dentro da indústria musical. Ao mesmo tempo, evidencia como disputas envolvendo artistas consagrados continuam produzindo efeitos legais e financeiros muitos anos depois de sua morte.

A ação judicial e as acusações dos espólios

De acordo com a petição apresentada à Justiça britânica — revelada inicialmente pelo jornal The Independent — os espólios de Noel Redding e Mitch Mitchell afirmam que nunca tiveram acesso adequado aos royalties decorrentes das gravações e das performances registradas nos álbuns do The Jimi Hendrix Experience. Esses discos, lançados entre 1967 e 1968, permanecem como alguns dos títulos mais vendidos e influentes da história do rock, mantendo fluxo constante de receita por meio de reedições, coletâneas, sincronizações e streaming.

Os advogados sustentam que a exclusão financeira não foi episódica, mas estrutural, atravessando décadas. Segundo a ação, enquanto a Sony Music Entertainment continuava a lucrar com o catálogo, os músicos e, posteriormente, seus herdeiros ficaram fora da repartição. O documento afirma que essa situação contribuiu diretamente para o fato de ambos terem enfrentado dificuldades econômicas severas ao longo da vida, culminando na declaração de que “morreram na pobreza”.

Além da gravadora, o processo também direciona críticas ao espólio de Jimi Hendrix, acusado de agir em conluio com a Sony para impedir que Redding e Mitchell recebessem valores que lhes seriam devidos. O ponto central do conflito está nos direitos relacionados às gravações e às performances, especialmente no entendimento de quem detém — e quem deveria deter — participação financeira sobre esse material histórico.

A acusação não se limita a um erro administrativo ou interpretação divergente de contrato. Ela sugere uma prática sistemática de exclusão, sustentada por acordos antigos e decisões tomadas sem transparência, cujos efeitos se estenderam por gerações.

A ação afirma que músicos e herdeiros foram excluídos dos lucros por décadas, enquanto a gravadora seguia faturando, levando-os — segundo o processo — a “morrer na pobreza” — Foto: Reprodução

A defesa da Sony e o histórico de acordos antigos

Do outro lado da disputa, representantes da Sony Music Entertainment apresentaram uma linha de defesa baseada em contratos e decisões tomadas ainda nos anos 1960 e 1970. Segundo a gravadora, os direitos autorais originais referentes às gravações pertenceriam aos produtores dos álbuns — Chas Chandler e o próprio Jimi Hendrix — o que justificaria a ausência de repasses diretos a Redding e Mitchell no modelo inicialmente estabelecido.

A Sony também sustenta que os dois músicos teriam aberto mão de eventuais direitos futuros após um processo judicial ocorrido na década de 1970. Na ocasião, de acordo com a defesa, Noel Redding teria recebido uma indenização de US$ 100 mil, enquanto Mitch Mitchell teria sido compensado com US$ 247,5 mil. Esses valores, ajustados à época, teriam encerrado qualquer reivindicação posterior relacionada aos royalties das gravações do grupo.

Esse argumento, no entanto, tem sido alvo de forte contestação por parte dos advogados dos espólios. Eles alegam que os pagamentos feitos décadas atrás não contemplavam adequadamente a dimensão do catálogo, tampouco consideravam novas formas de exploração comercial que surgiriam posteriormente, como o mercado de streaming e licenciamentos globais. Além disso, questionam se houve, de fato, uma renúncia clara e definitiva de direitos futuros, especialmente em um contexto contratual considerado hoje desequilibrado.

A discussão expõe uma tensão recorrente na indústria musical: acordos firmados em um período de menor regulação e informação continuam sendo usados como base legal em um mercado que mudou radicalmente, tanto em escala quanto em modelos de negócio.

Decisão judicial abre caminho para revisão dos royalties

Um ponto decisivo para o avanço do processo ocorreu em janeiro de 2024, quando uma corte suprema do Reino Unido rejeitou uma parte central da defesa apresentada pela Sony. A Justiça determinou que os espólios de Noel Redding e Mitch Mitchell têm, sim, o direito de processar a gravadora para revisar os acordos de royalties associados às gravações do The Jimi Hendrix Experience.

Na prática, essa decisão não define automaticamente que valores são devidos, nem estabelece culpa imediata da gravadora ou do espólio de Hendrix. No entanto, ela reconhece que há base legal suficiente para reabrir a discussão, permitindo que o mérito do caso seja analisado em profundidade. Trata-se de um avanço significativo para os herdeiros, que até então enfrentavam barreiras jurídicas para questionar contratos firmados há mais de meio século.

O desdobramento também pode ter implicações mais amplas para a indústria. Caso a revisão avance e resulte em decisões favoráveis aos espólios, outros músicos ou herdeiros de artistas da mesma era podem se sentir encorajados a reavaliar acordos semelhantes. A questão central passa a ser até que ponto contratos antigos, muitas vezes assinados em condições desiguais, devem prevalecer sobre princípios contemporâneos de remuneração justa.

Enquanto o processo segue seu curso, a disputa lança luz sobre o contraste entre a permanência cultural e econômica da obra de Jimi Hendrix e a realidade enfrentada por músicos que ajudaram a construí-la. Independentemente do resultado final, o caso reforça que o legado de grandes nomes da música não se limita aos palcos e gravações, mas também aos complexos embates legais que continuam a moldar a indústria décadas depois.

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