DELÍRIO CABANA: O EP que traduz o pulsar da Amazônia em som, afeto e liberdade

Entre rios, lembranças e encantarias, o grupo manauara estreia com seis canções autorais que unem tradição amazônica e experimentação contemporânea, celebrando o corpo, o desejo e a ancestralidade sonora.

Redação - SOM DE FITA

10/23/2025

Em meio ao curso do Rio Amazonas, entre Manaus e Santarém, nasceu o Delírio Cabana, um projeto musical que transforma o encontro de quatro artistas amazônidas em uma experiência sonora profunda. O grupo formado por Bruno Mattos, Gabriella Dias, Luli Braga e Nando Montenegro estreia com o EP homônimo, lançado em 17 de outubro, reunindo seis faixas autorais que refletem o que há de mais sensível e vibrante na música produzida na Amazônia contemporânea.

O trabalho nasce da vivência compartilhada em uma cabana, em Alter do Chão (PA), onde os músicos passaram duas semanas em 2023 imersos em criação, convivência e experimentação. Dessa troca, surgiu uma sonoridade que é tanto raiz quanto invenção, tanto lembrança quanto descoberta.

Como resume Luli Braga, “o EP recebe o nome da banda porque reflete memórias e emoções que viemos acessando desde o nosso encontro. Algumas composições antecedem a formação do grupo, mas mergulham em sentimentos que se sucederam daí, com nossas idas e vindas a São Paulo, Manaus, Santarém e Belém. Falam de saudade, desejo e liberdade, na perspectiva de quatro amigos migrantes que carregam lembranças dos rios e temperos de casa”.

Assim, a “cabana” se torna mais do que um espaço físico: é um refúgio simbólico de afetos, ritmos e ancestralidades.

Herdeiros da música amazônica: do boi-bumbá ao som global

Nos anos 1990, o grupo Carrapicho levou o boi-bumbá para o mundo com o sucesso “Tic Tic Tac”, enquanto coletivos como o Raízes Caboclas já destacavam as tradições sonoras amazônicas dentro da música brasileira. O Delírio Cabana dá continuidade a essa linhagem, mas com um olhar contemporâneo e experimental.

O EP homônimo transita entre o carimbó, o bolero-brega, o xote, o pop e a MPB, sempre com os pés nos ritmos da floresta e a cabeça nas possibilidades modernas. A produção musical de Lucas Cajuhy e Bruno Mattos equilibra beats eletrônicos com percussões orgânicas, criando um diálogo entre o tradicional e o digital — entre o tambor do barranco e o sintetizador urbano.

O disco abre com “Tempero”, composta por Nando Montenegro, um manifesto sonoro que sintetiza o propósito do grupo: misturar o sabor das raízes com a leveza da invenção. “Tempero” é o convite à viagem sensorial que o EP propõe.

Na sequência, vem “Ânima”, a faixa que transita entre o brega-pop e o existencialismo leve. Bruno Mattos explica: “‘Ânima’ veio de um trocadilho entre o verbo animar e o arquétipo de Jung que seria a parte feminina das pessoas, expressando como alguns encontros têm o poder de fazer a gente sentir as coisas com mais leveza.” A canção ainda traz versos da artista Raidol, que aprofundam o tema da saudade e da distância dos rios Guamá e Negro, símbolos de Belém e Manaus.

As seis faixas e suas narrativas emocionais

O EP “Delírio Cabana” é um percurso musical guiado por afetos, cores e sensações. Cada faixa é uma pequena narrativa, conectada ao universo amazônico tanto pela paisagem sonora quanto pelas histórias que carrega.

“Guaraná”, assinada pelos quatro integrantes, mistura o real e o fantástico. Nando Montenegro descreve: “‘Guaraná’ é uma canção de um tempo-espaço onde o real e o fantástico se misturam. O arranjo tem um mistério típico das noites de beira de rio enquanto a letra pinta cenas de uma paixão que parece mais um feitiço.” A faixa homenageia o Rio Tapajós e as rodas de carimbó que embalam Alter do Chão, onde o grupo se formou.

Em seguida, “Gengibirra” revisita o bolero-brega com um toque de modernidade. Bruno Mattos revela o sentimento por trás da composição: “É uma música de superação. Ela traz essa coisa de ter o coração partido por alguém, passa pela raiva, mas termina numa reflexão sobre amor próprio.” A faixa destaca a mensagem de que a felicidade também nasce da libertação de relações que nos oprimem.

Capa do EP DELÍRIO CABANA. | Foto: Divulgação

Já “Quando Você Vier (Tucumã)” traz um tom nostálgico e afetuoso. Gabriella Dias conta: “É uma música que fala de saudade, né? De alguém que foi embora de Manaus pra pessoa amada que ficou. E aí eu acho que tem essa analogia da saudade da pessoa amada e das memórias afetivas de Manaus através da culinária.” O tucumã — fruto símbolo da região — torna-se metáfora da ausência, evocando o sabor da terra natal.

O EP se encerra com “Chove Não Molha”, composição de Bruno, que captura a alegria e o flerte das noites de Alter do Chão. Gabriella descreve: “‘Chove não molha’ remete à festa, à energia de gente, de descontração e de alegria que acontece no Chorinho do Lanche da Glória, lá em Alter do Chão. É muito saudosista, porque retrata o cenário onde a banda nasceu.”

A estética que nasce da terra e das águas

Musicalmente, os arranjos foram concebidos por Bruno Mattos, que também executa as linhas de baixo, guitarra e violão. A percussão de Tércio Macambira e os sopros de Marcelo Martins (trompete), Francirbone (trombone) e Crhistofer Santos (saxofone) ampliam a densidade sonora. As cordas de Caio Britto (violoncelo) e Diego Alessandro (violino) e a sanfona de Danilson Sampaio enriquecem a paleta instrumental.

As vozes divididas entre os quatro integrantes criam um tecido harmônico que mistura doçura e potência, numa estética que traduz tanto o canto das matas quanto o rumor das cidades.

Visualmente, o EP é acompanhado por um ensaio da fotógrafa Laryssa Gaynett e por uma série de visualizers dirigidos por Bruno Belch, em que sementes, corpos, figurinos e expressões corporais dialogam com o repertório. O styling de Hendryl Nogueira e as criações das marcas Yanciã Amazônia e Glitch reforçam o compromisso do grupo com a valorização de artesãos locais e matérias-primas regionais, transformando o visual em extensão da música.

Entre o passado e o futuro da música amazônica

O Delírio Cabana surge como continuidade de uma rica tradição musical amazônica que soube, ao longo das décadas, dialogar com o mundo sem perder a identidade. Os integrantes trazem trajetórias sólidas, que se cruzam entre o experimental e o popular.

Luli Braga, de Manaus, lançou em 2020 o álbum Sinuose, e já se apresentou em festivais como SeRasgum (PA) e Sou Manaus Passo a Paço 2025, além de palcos como o Showlivre (SP) e o Mundo Pensante.

Gabriella Dias, também manauara, é cantora e educadora, formada pela UFAM, com destaque para o espetáculo Canto das Águas e o single Rio Negro Sazonal.

Nando Montenegro, radicado em Belém, é cantor e produtor musical formado pela Belas Artes de São Paulo e pela EMESP Tom Jobim. Seu EP Rumo (2025) já explorava a fusão entre rock alternativo e ritmos populares amazônicos.

Bruno Mattos, multi-instrumentista e arranjador, é parceiro de artistas como Silvan Galvão e Luê, e transita entre São Paulo e Manaus levando a força da música nortista para novos públicos.

Com shows realizados em Parintins, Alter do Chão, Manaus e São Paulo, o grupo consolida sua presença no circuito independente brasileiro, com uma proposta que é tanto poética quanto política: reafirmar o Amazonas como território cultural contemporâneo.

Delírio Cabana: um manifesto sensorial da Amazônia moderna

Mais do que um EP, “Delírio Cabana” é uma celebração do encontro, da saudade e da liberdade criativa. O grupo não busca exotizar a Amazônia — busca vivê-la em sua complexidade, traduzindo suas paisagens em camadas sonoras e afetivas.

Com lirismo, groove e encantaria, o quarteto constrói uma ponte entre o regional e o universal, entre o calor dos corpos e a frescura dos rios. É um trabalho que escapa das fórmulas e reafirma a potência artística do Norte do Brasil, abrindo caminhos para novas narrativas musicais vindas da floresta.

Informações da Bebel Prates Assessoria de Comunicação (@bebelprates )

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