Décio Otero, mestre do balé brasileiro e fundador do Ballet Stagium, morre aos 92 anos

Coreógrafo mineiro transformou a dança no Brasil com mais de sete décadas de atuação e mais de 100 obras criadas

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Redação - SOM DE FITA

7/30/2025

O universo da dança no Brasil amanheceu mais silencioso nesta terça-feira (29). Décio Otero, bailarino, coreógrafo e um dos nomes mais importantes da história do balé brasileiro, morreu aos 92 anos, na noite desta segunda-feira (28), em São Paulo. A informação foi confirmada pelo Ballet Stagium, companhia que ele fundou e dirigiu ao lado da parceira artística e de vida, Marika Gidali.

“O céu ficou mais bonito. É com profundo pesar que comunicamos o falecimento do Maestro Décio Otero, que nos deixou às 22:50 no dia 28/07/2025”, disse o grupo em nota publicada nas redes sociais.

Em mensagem emocionante, o Stagium destacou o impacto do artista: “Sua presença iluminou nossas vidas e seu amor permanecerá em nossos corações para sempre. Que possamos encontrar conforto nas memórias que compartilhamos e na certeza de que seu legado – mais de 80 ‘Obras Primas’ – e sua beleza viverá em cada um de nós”.

O portal especializado Mud definiu Otero como alguém que “fez da dança um gesto político, poético e coletivo”, lembrando sua “trajetória que atravessa mais de sete décadas, unindo palcos, televisão, formação de artistas e uma criação profundamente conectada com o Brasil”.

Um mineiro que revolucionou o balé

Nascido em Ubá, Minas Gerais, em 15 de julho de 1933, Décio Otero só começou a estudar dança aos 17 anos, algo considerado tardio para o padrão do balé clássico. No entanto, a determinação e o talento o levaram rapidamente aos grandes palcos.

Sua formação inicial foi no Ballet de Minas Gerais, em Belo Horizonte, sob a direção de Carlos Leite. Foi lá que conheceu o casal Angel e Klauss Vianna, que seriam figuras essenciais na evolução da dança moderna no país.

O talento de Otero chamou atenção cedo. Em 1956, recebeu o convite da diretora Tatiana Leskova para integrar o Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, um dos mais prestigiados do país. No ano seguinte, tornou-se solista da companhia, dividindo o palco com nomes consagrados como Maryla Gremo, Dalal Achcar e Nina Verchinina.

Parcerias que marcaram sua trajetória

Nesse mesmo período, em 1956, Otero conheceu a bailarina húngara Marika Gidali, que havia se radicado no Brasil. A parceria, que começou nos palcos, evoluiu para um relacionamento pessoal e profissional que atravessaria décadas. Juntos, eles construíram um dos projetos mais transformadores da dança brasileira: o Ballet Stagium.

Em 1959, o coreógrafo ingressou no Ballet do Rio de Janeiro, dirigido por Dalal Achcar, e embarcou em turnês internacionais. Entre 1959 e 1960, foi premiado por suas atuações em obras icônicas como Pas de Deux de Cisne Negro, de Eugênia Feodorava, e Yara, de Vania Psota, consolidando seu nome no cenário da dança.

Carreira internacional e experiências transformadoras

A busca por novos desafios levou Décio Otero a expandir seus horizontes. Em 1964, integrou o Ballet du Grand Théâtre de Genève, na Suíça, a convite da bailarina Beatriz Consuelo. Dois anos depois, foi para a Alemanha, onde dançou no Balé da Ópera de Colônia, sob a direção de coreógrafos renomados como George Balanchine e Harald Lander.

Essas experiências internacionais permitiram que Otero absorvesse novas linguagens artísticas, ampliando sua visão sobre a dança. Em 1967, estrelou o filme musical King, exibido em Copenhagen, e se tornou primeiro-bailarino do Balé da Ópera de Frankfurt, na Alemanha.

A volta ao Brasil e a criação do Ballet Stagium

Décio Otero retornou ao Brasil em 1970, trazendo consigo um repertório de experiências que seriam fundamentais para a criação de uma companhia inovadora. Em uma viagem a Curitiba, conheceu de perto o Balé Teatro Guaíra e, junto a Marika Gidali, idealizou o programa Convite à Dança, exibido na TV Cultura.

A experiência foi um laboratório criativo que resultou, pouco tempo depois, na fundação do Ballet Stagium, em São Paulo. Desde o início, o grupo se destacou por unir a técnica clássica do balé a elementos da cultura brasileira, abordando temas sociais, políticos e históricos em suas coreografias.

Um balé com identidade brasileira

O Stagium nasceu com a missão de romper barreiras. Décio e Marika acreditavam que a dança deveria dialogar com o público e refletir as realidades do país. O resultado foi uma companhia que combinava excelência técnica com uma estética profundamente brasileira, incorporando referências populares, músicas nacionais e narrativas que tratavam de questões sociais.

Otero criou mais de 100 coreografias ao longo de sua carreira, muitas delas para o Stagium. Obras como Prelúdio 45, Caymmi e Pantanal são lembradas como marcos da dança no Brasil, por traduzirem em movimento a alma de uma nação diversa.

Reconhecimento e premiações

A relevância de Décio Otero foi amplamente reconhecida. Ele recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo em 1961 e foi laureado com diversas premiações da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) nos anos de 1974, 1977 e 1979.

Em 2005, recebeu a Ordem do Mérito Cultural, uma das maiores honrarias concedidas pelo governo brasileiro a artistas que contribuíram significativamente para a cultura nacional.

Além das coreografias, Otero também se destacou como escritor. É autor dos livros As Paixões da Dança (Editora Hucitec, 1999) e Marika Gidali (Editora Senac, 2001), obras que ajudam a compreender sua visão sobre a arte e sua parceria de vida e trabalho com Marika.

Um legado que atravessa gerações

Décio Otero não foi apenas um coreógrafo talentoso; foi um formador de artistas. Sob sua direção, o Ballet Stagium se tornou um celeiro de talentos, formando gerações de bailarinos que hoje ocupam os mais diversos espaços na dança brasileira e internacional.

Sua contribuição para a televisão também foi marcante. O programa Convite à Dança, exibido na TV Cultura, aproximou o público de uma arte que, até então, era vista como restrita a um nicho.

Para o portal Mud, “seu legado permanece vivo no corpo da dança brasileira, nas gerações que formou e nas histórias que ajudou a transformar em arte”.

A importância de Décio Otero para a dança brasileira

Falar de Décio Otero é falar de resistência cultural. Em um período em que a dança no Brasil lutava por espaço, ele ousou criar uma companhia independente, de repertório autoral e conectado às raízes do país.

O Ballet Stagium, sob sua direção, levou a dança para além dos palcos tradicionais. Apresentou-se em escolas, praças, espaços públicos e comunidades, democratizando o acesso a uma arte muitas vezes elitizada.

Décio Otero transformou a dança brasileira ao criar um estilo que é, ao mesmo tempo, técnico, político e poético. Seu legado vive em cada coreografia apresentada pelo Stagium e em cada artista que passou por suas mãos.

Uma despedida com gratidão

Com a morte de Décio Otero, a dança brasileira perde um de seus maiores mestres, mas seu legado permanece pulsante. Como disse o Stagium em sua homenagem: “Que possamos encontrar conforto nas memórias que compartilhamos e na certeza de que seu legado viverá em cada um de nós”.

Décio Otero deixa não apenas obras, livros e prêmios, mas uma contribuição imensurável para a cultura brasileira. Seu nome continuará sendo referência para bailarinos, coreógrafos e amantes da dança, inspirando futuras gerações a manter viva a chama da arte que ele tanto amou.

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