Black Pantera no topo: o impacto cultural de uma vitória que vai além da música

Premiação no Prêmio da Música Brasileira coroa não apenas uma banda, mas uma luta contra o racismo estrutural e a invisibilidade no rock nacional

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Redação - SOM DE FITA

6/9/2025

Quando o Black Pantera subiu ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para receber o troféu de "Artista de Rock" na 32ª edição do Prêmio da Música Brasileira, o gesto foi muito maior do que a consagração de um bom disco ou de uma performance irrepreensível. Era a história sendo corrigida — e também reescrita. Em um país onde o rock sempre foi apresentado sob um recorte estético e racial limitado, ver um trio negro, combativo e politizado ser reconhecido em um dos prêmios mais tradicionais da música nacional é um sinal de mudança. Ou ao menos, de que não dá mais para fingir que nada precisa mudar.

Um prêmio contra a homogeneização

O rock brasileiro, desde os anos 80, consolidou uma imagem predominantemente branca, masculina e pouco aberta a novas vozes. A chegada do Black Pantera nesse cenário foi, desde o início, um soco no estômago do status quo: letras afiadas sobre racismo, violência policial, apagamento cultural e resistência periférica, cantadas com fúria, em cima de riffs pesados e sem concessões. Eles nunca quiseram agradar o “mainstream” — e talvez por isso, sejam hoje tão essenciais.

Ganhar o Prêmio da Música Brasileira, portanto, não é apenas uma honraria: é um recado. Um alerta de que o rock não morreu, mas que, se quiser sobreviver, precisa se reinventar, ouvir outras vozes, se abrir a outras narrativas e se reconciliar com sua dimensão mais política e pulsante.

Representatividade não é detalhe

A presença de músicos negros fazendo rock no Brasil nunca foi novidade. O que sempre faltou foi visibilidade. De Tony Tornado a André Abujamra, passando por pioneiros como Gerson King Combo e movimentos como o manguebeat, a força da negritude no som brasileiro sempre existiu, mas quase nunca esteve no centro das celebrações oficiais.

O Black Pantera quebra esse ciclo ao não apenas se destacar musicalmente, mas também ao assumir com coragem seu papel como porta-voz de uma geração que exige mais — mais justiça, mais escuta, mais lugar de fala. Ao vencer um prêmio tão tradicional, eles forçam instituições e público a encarar o que há décadas foi ignorado: que o rock também pode — e deve — ser preto.

A força do "Perpétuo"

O álbum "Perpétuo", lançado em 2024, não é só o trabalho mais sólido da carreira da banda; é também um dos registros mais urgentes do rock brasileiro dos últimos anos. Produzido por Rafael Ramos, o disco mistura hardcore, thrash e punk com temáticas incisivas que refletem a realidade de um país em fraturas profundas.

A indicação do álbum na categoria “Lançamento de Rock” já era um sinal de que algo estava mudando. A vitória na categoria principal, no entanto, escancara a potência do trio e o momento de inflexão vivido pelo rock nacional. É a consagração de um trabalho artístico e político que, felizmente, deixou de ser apenas “underground”.

Além do troféu

O impacto dessa vitória não se limita ao palco do Theatro Municipal. Ela se espalha para escolas, favelas, estúdios independentes, zines, rádios comunitárias, festivais autônomos. Onde houver um jovem negro que quer tocar guitarra sem ser ridicularizado, essa premiação ecoa. Onde houver uma menina que se vê representada na potência de uma banda que nunca abaixou a cabeça, essa conquista é semente.

Black Pantera não venceu sozinho. Venceu com toda uma cena que resiste à pasteurização. Venceu com cada grito abafado nas trincheiras da cultura. Venceu com cada moleque que ainda vai subir num palco e fazer o chão tremer.

O prêmio foi para eles, mas a mensagem foi para todos nós: o rock brasileiro ainda pulsa — e pulsa negro.

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