AUSTRÁLIA barra isenção de direitos autorais para empresas de IA e reforça defesa aos artistas

Governo rejeita proposta que permitiria uso de músicas, textos e imagens em treinamentos de inteligência artificial sem pagar aos criadores

Redação - SOM DE FITA

10/28/2025

A Austrália deu um recado claro à indústria da tecnologia: a criatividade humana continua tendo valor — e deve ser protegida. Nesta segunda-feira (27), o governo do primeiro-ministro Anthony Albanese decidiu rejeitar oficialmente a proposta que concederia isenção de direitos autorais a empresas de inteligência artificial (IA), permitindo que utilizassem obras de artistas locais em treinamentos de algoritmos sem autorização ou compensação financeira.

O anúncio foi feito pela procuradora-geral Michelle Rowland, durante entrevista à ABC News, e marcou o fim de um debate que mobilizou artistas, escritores, músicos e representantes da indústria cultural australiana.

Governo australiano reforça posição a favor dos criadores

A proposta vetada permitiria que companhias de IA realizassem mineração de texto e dados (TDM) — um processo em que sistemas analisam grandes volumes de informações, como músicas, livros e imagens, para aprender padrões e gerar conteúdo — sem que os autores das obras fossem consultados ou remunerados.

A ideia gerou forte reação pública, especialmente entre artistas que temiam ver suas criações sendo usadas para alimentar plataformas automatizadas que poderiam, ironicamente, substituí-los no mercado. Um dos nomes mais ativos nessa oposição foi Peter Garrett, vocalista da banda Midnight Oil e ex-deputado trabalhista, que classificou a proposta como “um desrespeito à cultura australiana e ao trabalho criativo”.

A ministra Michelle Rowland deixou claro que o governo não pretende abrir brechas nesse sentido.

“Estamos deixando bem claro que não aceitaremos uma exceção para mineração de texto e dados. Os criadores têm o direito de ser remunerados de forma justa pelo seu trabalho”, afirmou Rowland, em declaração reproduzida pelo Music Business Worldwide.

Com isso, o país se alinha a uma postura que vem ganhando força internacionalmente: a de exigir transparência e remuneração justa sempre que obras humanas forem usadas no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial.

Licenciamento e transparência: o caminho apontado pelo governo

Segundo Rowland, o objetivo agora é criar um modelo de licenciamento que garanta aos artistas a possibilidade de saber quando e como suas criações são utilizadas em treinamentos de IA. O governo pretende discutir mecanismos técnicos que tornem esse processo rastreável, abrindo espaço para acordos comerciais mais equilibrados entre criadores e desenvolvedores.

A ministra não poupou críticas às grandes empresas do setor:

“Essas são supostamente as pessoas mais inteligentes do mundo. Elas deveriam ser capazes de criar sistemas de royalties e rastrear o conteúdo em suas plataformas. Resolvam o problema”, provocou.

Imagem gerada por IA

A declaração foi interpretada como uma resposta direta às gigantes da tecnologia que, segundo associações de artistas, têm se aproveitado de lacunas legais para explorar material protegido por direitos autorais sem compensação.

Com a decisão, a Austrália se torna um dos poucos países a rejeitar explicitamente qualquer exceção de copyright voltada à mineração de dados. O movimento reflete uma preocupação crescente em todo o mundo: como equilibrar o avanço da IA com a proteção dos direitos dos criadores.

Artistas comemoram e pedem ação global contra o uso indevido de obras

Entidades que representam compositores, editoras e músicos celebraram a decisão como uma vitória da arte sobre o interesse puramente tecnológico. Para eles, o veto australiano reforça a ideia de que a inteligência artificial deve evoluir com base no respeito e na ética, e não às custas de criadores humanos.

Organizações como a Australasian Performing Right Association (APRA) e a Music Publishers Association of Australia (MPAA) destacaram que a medida protege não apenas o setor musical, mas todo o ecossistema criativo.

Além disso, a posição australiana ecoa decisões semelhantes em países como o Reino Unido e os membros da União Europeia, onde o debate sobre o uso de obras protegidas por copyright no treinamento de IA também tem ganhado força. Nesses lugares, artistas de renome como Paul McCartney e Elton John já se manifestaram publicamente contra a utilização de material sem autorização prévia.

A tendência é que a discussão avance para o cenário global, com possíveis revisões de legislações autorais em diversos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, há ações judiciais em andamento contra empresas de IA por uso indevido de imagens e vozes de artistas, incluindo casos envolvendo ferramentas de geração de música e deepfakes vocais.

O desafio de equilibrar inovação e direitos humanos

A decisão australiana reacende o debate sobre até que ponto a inovação tecnológica pode ir sem comprometer valores fundamentais de autoria e propriedade intelectual. Embora os defensores da IA argumentem que o acesso irrestrito a dados é essencial para o avanço da tecnologia, os criadores afirmam que isso não pode ocorrer à custa de seu trabalho.

Em um cenário em que a inteligência artificial já é capaz de compor músicas, escrever roteiros, criar imagens e até imitar vozes humanas, as fronteiras entre o que é humano e o que é sintético se tornam cada vez mais difusas. Para muitos artistas, esse é o momento de estabelecer limites éticos antes que o uso indiscriminado de conteúdo criativo acabe desvalorizando toda uma indústria.

Ao rejeitar a proposta, a Austrália se posiciona como um dos bastiões globais da proteção autoral na era da IA, enviando uma mensagem clara às big techs: inovação sim, mas com responsabilidade.

A decisão reforça a necessidade de um novo pacto entre tecnologia e arte, em que o avanço digital caminhe lado a lado com o reconhecimento e a valorização do talento humano — afinal, nenhuma máquina pode substituir o sentimento, a vivência e a alma por trás de uma criação.

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