Álbuns de Rock Progressivo Rejeitados na Época e Reverenciados Décadas Depois

Quando o Prog Era “Difícil Demais”: a trajetória de discos que renasceram como cult

Redação - SOM DE FITA

11/17/2025

A história do rock progressivo sempre foi marcada por ousadia, extravagância musical e uma busca quase obsessiva por experimentação. Porém, essa mesma ousadia fez muitos discos serem rejeitados por gravadoras, ignorados pela imprensa ou simplesmente mal distribuídos. O que parecia “difícil demais”, “obscuro demais” ou “não comercial o suficiente” na época, décadas depois se transforma em tesouro cult, disputado por colecionadores, analisado por estudiosos e celebrado por fãs devotos de prog. Nesta matéria, o Som de Fita revisita sete álbuns que sofreram rejeição, apagamento ou descaso no lançamento, mas que hoje figuram como clássicos cult indispensáveis para entender a complexidade e o alcance do gênero.

1. Comus – First Utterance (1971)

O debut do Comus é um caso clássico de como a indústria musical pode subestimar algo único. O álbum, profundamente sombrio, com vocais viscerais e um folk progressivo de atmosfera quase ritualística, foi considerado “assustador demais” por boa parte das gravadoras que ouviram o material.

Documentos e entrevistas com Roger Wootton e o produtor Barry Murray reforçam que o som era visto como arriscado e inviável comercialmente.

Quando finalmente lançado pela Dawn Records — um subselo da Pye voltado para material alternativo — recebeu divulgação mínima e uma recepção fria da mídia tradicional. O resultado foi um fracasso comercial quase imediato, levando o disco ao esquecimento. Porém, o tempo agiu como restaurador: a partir dos anos 90, colecionadores e músicos como Steven Wilson e Mikael Åkerfeldt (Opeth) passaram a citar First Utterance como obra-prima. Reedições surgiram, o público redescobriu o álbum e ele se consolidou como um dos trabalhos mais cultuados do folk-prog sombrio.

2. Museo Rosenbach – Zarathustra (1973)

Um dos discos mais aclamados do rock progressivo italiano, Zarathustra sofreu rejeições antes mesmo de chegar às prateleiras. A temática inspirada em Nietzsche e a capa ousada — contendo figuras históricas que geraram controvérsia — levaram a acusações equivocadas de simpatia por ideias extremistas, o que fez algumas gravadoras hesitarem em lançar o álbum.

A imprensa italiana da época (Ciao 2001, Musica e Dischi) registrou o boicote midiático que se seguiu, prejudicando qualquer chance de sucesso comercial. Mesmo após o lançamento, a distribuição foi limitada, e o álbum afundou rapidamente no anonimato. Décadas depois, com o boom de reedições japonesas e o renascimento internacional do RPI, Zarathustra foi reconhecido como um épico progressivo de altíssimo nível, aclamado pela crítica especializada e disputado em edições originais que hoje alcançam preços elevados. Um exemplo claro de como o contexto político e o conservadorismo da imprensa podem soterrar um disco brilhante, apenas para ele ser resgatado com força muitos anos depois.

3. Cervello – Melos (1973)

Apesar de ser uma obra altamente criativa e rica em elementos mediterrâneos, Melos passou por um longo processo de rejeição antes de encontrar uma gravadora disposta a bancar sua proposta. Corrado Rustici, guitarrista da banda, já relatou em entrevistas as dificuldades em fechar contrato, mesmo com o apoio informal de músicos importantes da cena italiana.

A Ricordi finalmente aceitou lançar o álbum, porém a divulgação foi fraca, a distribuição limitada e o mercado italiano, saturado de bandas progressivas naquele início de década, mal percebeu a existência da obra. Vendeu pouco e logo desapareceu. Melos, no entanto, renasceu nos anos 90 quando colecionadores europeus e japoneses passaram a valorizar discos obscuros de prog italiano. Reedições em CD e vinil recolocaram o álbum no radar, e ele se tornou cult pela combinação de flautas agressivas, harmonias mediterrâneas e estruturas rítmicas pouco convencionais.

Catapilla – Catapilla (1971)

O debut do Catapilla foi um desafio para as gravadoras desde o início: faixas longas, improvisações de jazz-prog e os vocais intensos de Anna Meek criavam uma sonoridade que fugia totalmente do mainstream. Documentações e pesquisas posteriores mostram que o grupo ouviu vários “nãos” antes de conseguir contrato com a Vertigo, que, mesmo assim, priorizava outras bandas do catálogo.

Sem campanha promocional consistente, o álbum não alcançou público, e rapidamente a banda perdeu espaço em um mercado que já considerava o prog um nicho arriscado. A falta de suporte para turnês e a dificuldade em promover a estética experimental do grupo fizeram o disco desaparecer quase imediatamente. Foi apenas décadas mais tarde, com o interesse crescente pelo lado obscuro da Vertigo, que Catapilla ressurgiu como uma peça rara e celebrada, conquistando status cult entre colecionadores e fãs do prog mais ousado.

5. Spring – Spring (1971)

O álbum homônimo do Spring é lembrado como uma joia perdida do prog pastoral britânico, mas sua história é marcada por rejeição desde a fase de pré-produção. Várias gravadoras recusaram o material por considerarem a proposta — com três mellotrons simultâneos — excessivamente ambiciosa e pouco comercial.

Quando finalmente lançado por um selo menor, Spring recebeu distribuição limitada e quase nenhum esforço promocional, o que fez com que o álbum nunca chegasse ao público de forma significativa. Sua sonoridade melancólica, detalhista e atmosférica só começou a ser valorizada muito tempo depois, especialmente por colecionadores do Reino Unido e do Japão, que viam no disco uma experiência única dentro do prog britânico. As reedições em CD e vinil contribuíram para recuperar a obra e estabelecer seu lugar como um dos trabalhos mais sensíveis e injustamente ignorados do gênero.

6. Gracious! – This Is… Gracious! (1972)

O segundo álbum do Gracious! acabou nas margens da cena progressiva após a Vertigo recusar seu lançamento, alegando que o disco era complexo demais e não tinha potencial comercial. Sem apoio do principal selo de prog do Reino Unido, a banda precisou recorrer a uma alternativa menor, resultando em um lançamento com baixa tiragem e divulgação quase inexistente.

A falta de material promocional, somada à ausência de turnês significativas, fez com que o disco desaparecesse rapidamente, mesmo apresentando ideias sinfônicas elaboradas e arranjos ambiciosos. Quando o interesse por discos raros da era progressiva cresceu nos anos 90, This Is… Gracious! foi redescoberto e passou a ser elogiado pela criatividade e pela estética ousada, consolidando-se como um clássico cult do prog britânico que só recebeu reconhecimento muito tempo depois.

7. Samurai – Samurai (1971)

O Samurai enfrentou um destino particularmente ingrato: a banda se dissolveu antes mesmo do lançamento do álbum, afastando imediatamente as grandes gravadoras, que não investiam em grupos sem perspectiva de turnê. O disco acabou saindo por um selo pequeno, com pouca distribuição e sem qualquer suporte comercial, tornando-se um daqueles álbuns que quase ninguém ouviu na época.

No entanto, sua fusão única de jazz-prog, sopros complexos, harmonias pouco convencionais e atmosfera introspectiva chamou a atenção de colecionadores décadas depois. Selos especializados resgataram o material, permitindo que o álbum ganhasse o reconhecimento que merecia. Hoje, Samurai é tido como uma joia oculta dos anos 70, símbolo de como grandes ideias podem passar despercebidas quando não encontram o espaço adequado.

rejeição não apaga talento, só atrasa reconhecimento

Esses sete álbuns mostram que a rejeição inicial não determina o legado de uma obra. Se a indústria, a imprensa ou o mercado não estavam prontos, o público especializado — décadas depois — fez justiça. O rock progressivo, com sua vocação para o incomum, continua sendo terreno fértil para descobertas tardias, e essas obras provam que o tempo é o verdadeiro curador do gênero.

LEIA TAMBÉM: