10 Personagens Históricos e Mitológicos Locais que Renasceram na Arte Contemporânea

Da pintura à Música, figuras do passado ganham nova vida nas mãos de artistas que não têm medo de remixar o folclore com crítica social e estética atual

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Redação - SOM DE FITA

5/20/2025

Enquanto o hype do metaverso tenta empurrar o futuro goela abaixo, um grupo crescente de artistas tem voltado os olhos para o passado — não por saudosismo, mas por insurgência. Personagens históricos e mitológicos do Brasil, muitos ignorados pelos livros oficiais, vêm sendo resgatados, reimaginados e reposicionados dentro da arte contemporânea. Em murais, palcos, instalações ou quadrinhos, essas figuras surgem com novos sentidos: mais políticos, mais urbanos, mais necessários. Veja quem são alguns dos protagonistas dessa onda criativa que conecta memória, identidade e rebeldia estética:

1. Zumbi dos Palmares

Mais do que herói da resistência, Zumbi se tornou um símbolo de re-existência. Sua imagem tem sido ressignificada em diversas linguagens artísticas, do muralismo ao cinema de guerrilha. Nas periferias de grandes cidades, ele aparece em grafites com estética afrofuturista, como um guerreiro que atravessa o tempo para inspirar a luta antirracista. Artistas como Criola e Panmela Castro o retratam com cores vibrantes, usando vestes que dialogam com a moda urbana. No rap, nomes como BK, Emicida e Rincon Sapiência fazem referência direta ao líder quilombola, conectando sua história às batalhas contemporâneas por território, autoestima e justiça social.

2. Lampião e Maria Bonita

O rei e a rainha do cangaço saíram do sertão e invadiram os palcos da moda, das artes visuais e da música alternativa. Virgulino Ferreira, o Lampião, é frequentemente reinterpretado como um símbolo de insurgência estética — de resistência armada e cultural. Em exposições de arte contemporânea, seu visual é usado como ponto de partida para criações que misturam couro, metais e tecnologia. Maria Bonita, por sua vez, rompe o papel de coadjuvante e aparece como mulher à frente do seu tempo: uma combatente feminista armada de dignidade. No som, o projeto Baile do Lampião, em Recife, funde forró com beats eletrônicos, celebrando o espírito dos cangaceiros com groove e ousadia.

3. Iara

A mítica sereia dos rios, que seduzia e afogava pescadores, agora navega outras águas. Na arte digital contemporânea, Iara é retratada como uma mulher indígena empoderada, símbolo de sexualidade livre e conexão com a natureza. A artista visual Dani da Mata pinta Iaras de olhos atentos e corpos cheios de tatuagens rituais, fundindo ancestralidade com estética urbana. Em filmes independentes da Amazônia e do Pará, a personagem é reconfigurada como justiceira ecológica, punindo aqueles que exploram o meio ambiente. Sua imagem também aparece em figurinos de performers drag e desfiles que celebram corpos dissidentes e a estética amazônida.

4. Exu

Durante muito tempo demonizado por narrativas coloniais e racistas, Exu está sendo reabilitado como símbolo de comunicação, liberdade e transformação. No graffiti de rua, ele aparece com tênis de marca e celular na mão, dançando no cruzamento das culturas. Exu é o mensageiro, o que abre caminhos — e, por isso, vem sendo representado por artistas como Éder Oliveira e Tiago Sant'Ana como uma figura urbana que atravessa tempos, línguas e ritmos. Na música, artistas como Tiganá Santana e Larissa Luz evocam sua força em performances que misturam candomblé, poesia e crítica política. O orixá virou também tema de HQs afro-brasileiras que usam elementos de mitologia como armas contra a ignorância.

5. Curupira

Com seus cabelos de fogo e pés virados para trás, o Curupira sempre foi um defensor da floresta. Mas hoje ele também é um avatar da luta contra o desmatamento e a grilagem. Em projetos como Curupira: Guardião do Cerrado, desenvolvido por ilustradores do Distrito Federal, o personagem vira um justiceiro ambiental, combatendo madeireiros e corruptos com poderes mágicos e muito sarcasmo. No teatro contemporâneo, já foi encarnado como adolescente queer, jogando com a ideia de "andar na contramão" do sistema. Até no universo dos games ele entrou: no jogo indie Folklore BR, Curupira aparece como chefão que protege os biomas brasileiros contra invasores capitalistas.

6. Dandara dos Palmares

Esquecida por séculos pela historiografia oficial, Dandara tem sido resgatada como ícone de protagonismo feminino negro. Na arte contemporânea, sua figura inspira esculturas monumentais, colagens digitais e danças performáticas que celebram sua força e sua coragem. A cineasta Viviane Ferreira está desenvolvendo um longa-metragem sobre sua vida, com roteiro que entrelaça memória coletiva, ficção e afrofuturismo. Poetas como Mel Duarte e slammers de todo o país evocam Dandara como símbolo de resistência cotidiana, em poemas que falam de autocuidado, maternidade e luta política. Dandara virou referência até na moda afro-brasileira, estampando tecidos, bolsas e camisetas de marcas independentes.

7. Mãe d’Água (Yemanjá)

Divindade das águas, protetora dos navegantes, Yemanjá é reverenciada em sincretismos e celebrações. Mas também virou tema de reflexão crítica sobre a relação do humano com o oceano. Na instalação Oferendas de Plástico, em Salvador, artistas colocam bonecas e flores feitas de lixo recolhido na praia, questionando a forma como celebramos deuses enquanto destruímos suas casas. Pintoras como Janaína Barros representam Yemanjá com traços híbridos, fundindo o sagrado com o cotidiano: ora ela surge de turbante e saia longa, ora de tênis e piercing no nariz. Yemanjá é a mãe ancestral, mas também a deusa urbana, que observa a maré de contradições do nosso tempo.

8. Antônio Conselheiro

Profeta maldito de Canudos, líder místico e revolucionário, Antônio Conselheiro ressurgiu na arte contemporânea como símbolo de insurgência espiritual. Em peças teatrais experimentais, ele é retratado como um visionário que anteviu o colapso do Brasil moderno. Esculturas feitas com restos de demolição em Belo Horizonte representaram seu rosto como ruína e resistência. No som, bandas como Cangaço Elétrico transformaram seus sermões em letras psicodélicas e politizadas. E em zines e quadrinhos independentes, Conselheiro virou personagem que transita entre distopias sertanejas e narrativas cyberpunk, unindo fé, caos e crítica ao poder.

9. Cobra Norato

A serpente encantada dos rios amazônicos, celebrada por Raul Bopp no modernismo, voltou com tudo na arte decolonial do Norte. Em filmes experimentais de cineastas indígenas como Takumã Kuikuro, a figura da Cobra Norato ganha contornos épicos, misturando mitologia, identidade e resistência territorial. Em murais urbanos de Belém e Manaus, ela aparece como guardiã da floresta, com escamas grafitadas que parecem espelhar a própria floresta em chamas. Poetas visuais e artistas digitais têm usado a imagem da cobra como alegoria para as tensões entre tradição e progresso, muitas vezes ironizando o discurso das grandes obras que devastam a região.

10. Boitatá

A serpente de fogo que protege as matas contra incêndios criminosos virou símbolo potente da crise ambiental. Em exposições ativistas, como as do coletivo Pindorama Visual, Boitatá é retratado como uma entidade vigilante — às vezes ameaçadora, às vezes em pranto — pairando sobre áreas destruídas pela ganância. Em animações independentes, como a minissérie Chamas do Sul, o Boitatá é personagem central de uma saga épica em que enfrenta agrotóxicos, lobbies do agronegócio e políticos corruptos. No grafite, sua forma serpentina arde em muros que pedem justiça climática. Boitatá virou, literalmente, fogo nos fascistas.

Conclusão: O Brasil Profundo Nunca Morre — Ele se Reinventa

Essa galeria de personagens mostra que nossas lendas e figuras históricas não pertencem apenas ao passado. Quando revisitadas com liberdade criativa, elas ganham novos sentidos — e nos ajudam a pensar o presente com mais coragem. Da favela à floresta, do museu à rua, essas presenças continuam nos assombrando, nos guiando e nos inspirando. E quando a arte se encarrega desse resgate, o futuro vira um espelho que encara o Brasil de frente.

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